É com renovado gosto que, nesta quadra festiva, me dirijo a todos vós, aqui nos Açores e espalhados pelo mundo, para fazer um brevíssimo balanço do ano que finda e para lhes desejar um Ano Novo pleno de paz e prosperidade.
O meu propósito é, como sempre, muito simples. Desafiar quem me ouve a fazer uma pequena pausa no seu dia-a-dia, quantas vezes assoberbado de afazeres, de exigências profissionais e sociais, para agradecer pelas coisas singelas que estão hoje presentes nas nossas vidas, mas também para nesse reconhecimento encontrar a força e a esperança para enfrentar as dificuldades e superar as angústias que por vezes nos tocam.
1. Ao contrário do que sucedeu com 2017, que ficou marcado pela tragédia dos incêndios, mas também pela onda de solidariedade que se lhes seguiu, o ano que agora finda não ficará na nossa história coletiva por nenhum grande acontecimento.
Foi um ano tranquilo, de regular funcionamento das instituições democráticas, com as atenções voltadas para alguns “casos”, mais ou menos mediatizados, que acabaram por desaparecer na espuma dos dias.
Ajudados pela conjuntura internacional, foi ainda um ano de algum desafogo económico-financeiro, com os índices mais importantes para o bem-estar das pessoas e das famílias a terem um desempenho favorável. De entre esses, julgo ser justo destacar a redução do flagelo social do desemprego, cuja taxa se mantém em queda desde 2014 e que atingiu neste final de ano níveis que não se registavam há bem mais de uma década.
Seria bom que este período de estabilidade política fosse aproveitado para preparar o futuro, fazer as reformas estruturais necessárias para aumentar a competitividade da nossa economia, para apostar na qualificação e preparação dos jovens e na criatividade dos nossos empreendedores, bem como para consolidar o Estado Social, para assim podermos enfrentar com mais confiança os desafios que certamente se avizinham.
Seria igualmente importante que a estabilidade em que vivemos fosse aproveitada para melhorar as redes de segurança e de socorro às populações e a capacidade de resposta em caso de catástrofe ou acidente, não esquecendo eventos passados, mais ou menos graves. Numa região ciclicamente martirizada por eventos naturais extremos, seria bom que o decurso do tempo não apagasse da memória a responsabilidade que temos de, enquanto comunidade politicamente organizada, evitar ou confinar tragédias que põem em causa vidas e haveres pessoais.
No plano regional, permitam-me apenas que destaque no ano de 2018 o facto de o Presidente da República ter iniciado as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, aqui nos Açores, seguindo depois para uma visita às comunidades portuguesas nos EUA, onde predominam os descendentes de açorianos.
Com esse gesto simbólico, o Presidente colocou os Açores no epicentro do mundo português e desse imenso território espiritual e cultural dos falantes da língua de Camões.
Foram dias intensos, que tão depressa não serão esquecidos por quem os viveu, tanto pelo significado institucional das cerimónias quanto pela humanidade que o Presidente da República empresta a todas as iniciativas em que se envolve e pela atenção que sempre dispensa a quem o procura.
A este respeito, aliás, permitam-me um breve parêntesis para antecipar uma outra “coincidência feliz”: se em 2018 o dia de Portugal foi celebrado nos Açores, em 2019 o Dia da Autonomia será celebrado a 10 de junho, no Dia de Portugal. Mais do que uma mera sobreposição de calendário, interpreto esta coincidência como sinal da sintonia que deve presidir – e em larga medida tem presidido – às relações entre a Região Autónoma e a República.
Na época do ano em que estamos a viver é muito comum ouvir apelos à Paz entre os povos, bem como, mais simplesmente, pessoas exprimindo votos recíprocos de paz: paz familiar, paz social, paz interior.
É um dos mais antigos anseios da humanidade. E, não obstante, são inúmeros os conflitos com perda de vidas, pessoas e famílias desfeitas, proliferação da fome e da doença, cidades e vilas arrasadas, países e povos destruídos, movimentos de refugiados.
As imagens que nos chegam, quase todos os dias, pela televisão, são demolidoras.
É por isso importante sublinhar que recentemente se comemoraram os 100 anos do final da 1ª Guerra Mundial, em que milhões de vidas se perderam de forma brutal, em que portugueses combateram em condições sub-humanas. Um conflito tão absurdo, tão terrível e tão fundo que, em rigor, só terminou com o final da 2ª Grande Guerra e com os projetos de Paz que a ela se sucederam: a Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, na escala europeia, a criação do Conselho da Europa e da Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia.
Ao contrário do velho aforismo, tantas vezes repetido – “se queres a paz, prepara-te para a guerra” –, é hoje evidente que a verdadeira paz é fruto, precisamente, de um genuíno esforço entre os povos: “se queres a paz, constrói a paz”.
Tal como tem enfatizado o Papa Francisco, na linha da doutrina da Igreja, a Paz não é a mera ausência de conflito armado: é fruto da justiça e dos esforços verdadeiros feitos pelos Estados, pelos seus governantes e pelas instituições internacionais para promover o desenvolvimento económico e a justiça social, assim inibindo nacionalismos e manifestações xenófobas.
Por isso, comemorar os 100 anos do final da Primeira Guerra e os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos é celebrar também o valor supremo da Paz e homenagear os seus verdadeiros construtores.
Sem esquecer que, no continente europeu, principal teatro de operações dos dois grandes conflitos mundiais, a União Europeia, tantas vezes criticada pelos seus objetivos e políticas, é antes de mais um projeto de coesão e paz, de tolerância e de aceitação mútua das muitas diversidades nacionais que nela coexistem. É um projeto generoso, de partilha de soberania, de união de esforços, para que através da prosperidade, da defesa dos direitos humanos e da justiça social consigamos banir o espectro da guerra e da violência insensata das nossas sociedades.
Neste virar de ano, é, pois, bom ter presente que nem sempre as lições da história são definitivamente aprendidas.
Não menos importante serão as celebrações, no ano de 2019, dos quinhentos anos do início da primeira viagem de circum-navegação, protagonizada por Fernão de Magalhães.
Nobre português, depois de ter viajado até à Índia, prepara e executa, ao serviço dos Reis de Espanha, e com uma equipa multinacional, um dos mais arrojados e inspiradores projetos científicos e políticos jamais realizados.
Não por acaso, a NASA batizou com o seu nome a sonda que enviou, em 1989, para fazer o levantamento cartográfico do Planeta Vénus.
Portador de uma coragem ímpar – dos que partiram, poucos foram os que regressaram, incluindo o próprio – Magalhães é um exemplo notável do espírito desafiador dos navegadores portugueses do seu tempo, ligando continentes e culturas naquela que foi seguramente a primeira grande vaga da globalização.
Fernão de Magalhães é uma figura de que os portugueses se devem orgulhar pelos seus feitos históricos, sem preconceitos, mas é também um símbolo de um mundo aberto, em expansão, com vontade de progresso e de derrubar as barreiras entre os povos.
É o oposto de várias tendências políticas que se registam no presente, em vários quadrantes, e que pretendem responder à globalização com isolamento, com o reavivar de sentimentos nacionalistas e xenófobos, com a rejeição do outro e da diversidade.
É sinónimo de uma utopia criadora e o contrário das tentativas a que temos assistido, de regresso desesperado ao passado, em alheamento às profundas mudanças da sociedade.
Não nos esqueçamos, pois, de Magalhães e da lição que o seu empreendimento representa para a nossa vida pessoal e para a nossa intervenção pública.
Estimadas açorianas e estimados açorianos.
As considerações singelas que acabo de fazer revelam, não obstante as dificuldades, que não é vã a esperança num Ano Novo pacífico e próspero para todos.
Felizmente, são ainda muitos os construtores da Paz: desde as mais altas esferas, nas organizações internacionais, àqueles que se empenham pessoalmente na ajuda aos mais necessitados, dando o melhor de si a cada dia.
É uma convicção que tenho. E é uma convicção que convosco partilho, ciente de que não teremos outro futuro senão aquele que começarmos a construir hoje.
Afinal, o que nos carateriza enquanto seres humanos, nascidos livres e iguais, em dignidade e em direitos, é justamente a capacidade para tomar o destino nas nossas mãos, preparando, através da justiça, os caminhos da Paz.
A todos, caros concidadãos, sinceros votos de um Ano de 2019 cheio de saúde, justiça, paz e prosperidade.
Pedro Catarino
Representante da República
para a Região Autónoma dos Açores