GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA
PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES
SOLAR DA MADRE DE DEUS
ANGRA DO HEROÍSMO
MENSAGEM DE ANO NOVO 2013-2014
Caros Açorianos
Termina agora mais um ano de grandes dificuldades económicas e financeiras para o País - e onde os Açores não são exceção -, com os pesados sacrifícios daí decorrentes para as pessoas e para as famílias e com os cortes transversais nas despesas do Estado.
Durante o ano que passou muitos concidadãos nossos enfrentaram situações de pobreza, outros sofreram com o desemprego, e muitos mais sentiram e sentem grandes dificuldades para fazer face aos encargos com o sustento dos seus agregados familiares, com as suas casas, com os seus negócios, com os cuidados de saúde de que necessitam.
Mas este momento - este início de um novo ano - é também um momento de uma esperança renovada, de que 2014 possa constituir um ponto de viragem, em que os resultados dos enormes sacrifícios efetuados ao longo dos últimos anos possam finalmente vir a surtir algum efeito.
Esperança de que os ténues sinais de recuperação económica e de estabilização do desemprego que têm vindo a registar-se se confirmem e se robusteçam e que o País possa, com o fim da vigência do Acordo com a Troika, reganhar maior controlo sobre as suas próprias políticas económicas e sociais, nos diferentes sectores da governação.
Em ocasiões anteriores falei-vos de como a coesão, nas suas diferentes dimensões – coesão social, territorial, nacional – constitui uma mais-valia determinante para enfrentar os desafios que se nos apresentam. E falei também da importância de um enquadramento político-institucional sólido, de uma democracia de qualidade como tem sido a açoriana, para, no contexto de uma sociedade aberta e plural, delinear e levar por diante as reformas estruturais que hão de preparar um futuro melhor.
Com este pano de fundo, gostaria hoje de me juntar àqueles que apelam a uma nova ética – não apenas, como a ética tradicional, fundada numa ideia de reciprocidade entre pessoas contemporâneas, que vivem numa determinada comunidade – mas numa ideia de responsabilidade para com o futuro, para com as novas gerações, e para com a preservação das condições ambientais, humanas e políticas da sua vida aqui na terra.
Num momento em que se fala tanto da eventual emergência de um conflito entre gerações – sobretudo acerca do problema da sustentabilidade da segurança social – é importante lembrar que os princípios éticos da solidariedade, da reciprocidade e da equidade não devem valer apenas para os nossos contemporâneos. Tais princípios valem também e sobretudo para aquelas pessoas que nos hão de suceder, que integrando as gerações futuras ainda não existem ou, existindo já, não podem, em razão da sua idade, participar politicamente nas decisões que são tomadas hoje e que as vão afetar daqui a alguns anos.
Assim, seguramente, a maior responsabilidade da geração presente em relação ao futuro é para com a educação dos nossos jovens, desde a mais tenra idade, até ao ensino universitário e eventualmente aos estudos pós-graduados. Uma educação no sentido mais lato que a expressão pode ter, passando nas camadas mais jovens pela música - com elevada tradição aqui nos Açores -, pelas línguas estrangeiras, pelas artes performativas, pela cultura física e compreendendo também uma componente cívica, de educação para uma cidadania ativa e consciente. Uma educação que, quando os pais assim o desejarem não pode excluir sequer, uma dimensão religiosa e moral.
Este compromisso com a educação exige o esforço e o empenho de toda a comunidade, que deve colocar a educação - e não apenas em termos retóricos - como uma das suas primeiras prioridades. Famílias, professores, instituições públicas e privadas de ensino, autarquias, entidades particulares de solidariedade, comunicação social têm de unir-se para dar a cada criança, a cada estudante, a cada universitário as condições para o seu desenvolvimento integral e equilibrado.
A escola no seu conjunto e os professores em particular precisam de ser valorizados e acarinhados pela sociedade em geral, pelo inestimável serviço público que prestam ao presente e ao futuro da nossa comunidade.
Importa, por isso, arredar do nosso quotidiano a ideia de que não vale muito a pena estudar - por vezes, ouve-se ainda que a educação e a cultura não trazem sustento - ou a ideia, amiúde repetida acriticamente no espaço mediático, de que o desemprego entre os licenciados aumenta de forma contínua ou, mais recentemente, a de que os licenciados não encontram em Portugal colocação compatível com as suas habilitações. São mensagens nocivas e sem apoio na realidade, porque, em termos comparativos, a taxa de desemprego vai descendo à medida que sobem as habilitações literárias e académicas dos trabalhadores, sendo que os licenciados beneficiam ainda de uma sensível mais-valia em termos remuneratórios.
Além do mais, investir na educação constitui uma das políticas públicas que mais contribui para a mobilidade social , para a melhoria da qualidade de vida e para a redução das desigualdades económicas e sociais. Na nossa sociedade híper-complexa e em mudança permanente, mais do que princípios abstratos de justiça social - quantas vezes traduzidos em políticas redistributivas da riqueza, por via fiscal ou outra - são necessárias medidas concretas que consigam corrigir na base as desigualdades de oportunidades no acesso ao saber, à cultura e à informação. Nesta linha, aliás, se situa o artigo 73º da Constituição, ao determinar que incumbe ao Estado e demais entidades públicas a democratização da educação, de modo a que a escola contribua para a igualdade de oportunidades e para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais.
Numa palavra, antes mesmo de redistribuir a riqueza a jusante, o investimento na educação das futuras gerações redistribui conhecimento a montante. Através desse investimento – que não é apenas financeiro – a sociedade presente cumpre a sua obrigação fundamental de oferecer desde cedo a cada criança e a cada jovem as condições que, mais tarde, quando adultos, os hão de colocar sensivelmente no mesmo patamar que os seus competidores à partida socialmente mais favorecidos. Garantido esse patamar comum, cada um poderá lutar por uma vida melhor para si próprio, de acordo com o seu mérito, e assim contribuir para o progresso da comunidade.
Permitam-me que destaque o papel que neste plano tem o ensino pré-escolar.
Se desejarmos verdadeiramente uma mudança na nossa sociedade, corrigindo as nossas deficiências e amplificando as nossas virtudes, temos de começar por proporcionar às nossas crianças o melhor ensino.
Não apenas às classes mais abastadas, mas a todos sem exceção. Com a mesma qualidade, sem distinção de classes e garantindo o acesso nas melhores condições para todos, de forma igualitária.
Ensino gratuito, com alimentação incluída, com transportes providenciados, com educadores de infância qualificados e cuidadosamente selecionados.
Um ensino que imprima nas crianças um sentido de autonomia, o respeito pelos outros e a solidariedade e simpatia nas suas relações recíprocas.
Que inclua a educação cívica, o gosto pela natureza e pelo desporto, a aprendizagem de línguas estrangeiras, o ensino da música, tão importante para a formação do carácter e para o desenvolvimento da sensibilidade dos jovens.
Enfim, um ensino de excelência, que seja um modelo que nos orgulhe e envaideça.
Só assim conseguiremos a mudança que há muito buscamos e que teima em não se concretizar.
Temos de esperar, pois os efeitos não serão imediatos. Levarão alguns anos, talvez uma ou duas gerações.
Mas viveremos com a esperança de um futuro melhor e com a alegria de estarmos a dar um contributo para que tal venha a acontecer.
Entretanto estaremos a aliviar os pais das suas dificuldades, exatamente num momento em que mais precisam, quando são jovens e estão muitas vezes a iniciar as suas vidas profissionais.
Estaremos a diminuir as desigualdades económicas e sociais e porventura a incentivar a natalidade.
Será um esforço em que a sociedade civil deverá procurar complementar a função social do Estado.
Não haverá melhor investimento.
Como mobilizar a sociedade para tão importante tarefa sem impor maiores sacrifícios a uma população já tão castigada? Como arranjar fundos para levar a cabo o tanto que será necessário fazer?
Permito-me a este respeito lançar um repto: que se pense numa lotaria cujas receitas sejam exclusivamente destinadas a apoiar as instituições de ensino pré-escolar.
Será uma boa causa, para a qual ninguém hesitará em dar uma contribuição. Quem não desejará beneficiar os seus filhos e netos e construir os alicerces de uma sociedade futura em que todos viverão melhor?
Aqui está o desafio que vos deixo.
Desejo a todos um Novo Ano cheio de alegrias e felicidade.
Bem hajam e muito obrigado.
Pedro Catarino
Angra do Heroísmo, 31 Dezembro de 2013