Uma relação multisecular:
40 anos de relações diplomáticas
(Contributo para o Livro Comemorativo a editar pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) intitulado “Portugal – China 500 anos de contacto 40 anos de Relações Diplomáticas)
Tive o privilégio de ter vivido nas duas futuras regiões administrativas especiais da RPC, Macau e Hong Kong, de ter participado nas negociações que tiveram lugar no período de transição de Macau e de ter sido Embaixador em Pequim e, como tal, participado nas cerimónias de transferência quer de Hong Kong, quer de Macau.
A minha vida profissional ficou marcada por esta relação com a China de mais de 14 anos.
Durante a minha estadia em Pequim, quando ali fui Embaixador, ao deambular no mercado de Panjiayuan, mercado imenso de bric-à-brac que eu tanto gostava de explorar, fui um dia abordado por um chinês, já de uma certa idade, de aspeto modesto mas com a aparência de pessoa fina e educada, que me perguntou qual era a minha nacionalidade.
Respondi-lhe que era português ao que ele observou: Putaoya (Portugal em mandarim romanizado); o país das uvas (a expressão fonética da designação do nosso país é composta por 2 caracteres, um que significa uva e outro dente); um país que foi grande e que hoje é pequeno.
E continuou, num inglês quase perfeito: Tenho uma grande admiração pelo seu país. Como foi possível que um país tão distante, com uma escassa população e com meios tão limitados, ter chegado às costas da China antes de qualquer outro país ocidental?
E mais extraordinário ainda! Como foi possível que um país fechado, como a China era então, ciosa do seu isolamento e hostil a qualquer penetração vinda do exterior, desconfiada de influências perturbadoras que pudessem pôr em causa o seu modo de viver e as suas tradições e costumes ancestrais, tenha tolerado o seu estabelecimento em território chinês, um caso único?
Mas mais extraordinário ainda! Como foi possível que Portugal, sem poder militar nem meios humanos e económicos significativos, se tenha mantido em Macau, geração após geração, por quatro séculos e meio, ultrapassando todas as mutações políticas da China – Dinastia Ming, Dinastia Qing, República, Kuomintang, Ocupação Japonesa, China Comunista, Revolução Cultural?
Extraordinário ainda! Que a China e Portugal se tenham entendido e através de um diálogo harmonioso tenham conseguido uma transferência de poderes em Macau, salvaguardando o património histórico, a maneira de viver, as instituições existentes e os interesses da população, que continuou a fazer a sua vida normal e o seu quotidiano, tranquilamente, pacificamente, convivendo entre si sem problemas e tirando partido das novas oportunidades de desenvolvimento de uma sociedade moderna e que tudo tenha contribuído para o reforço das relações entre os dois países.
Fiquei impressionado com a clarividência do velho senhor. Agradeci-lhe as suas benevolentes palavras para com o meu país. Respondi-lhe que também eu nutria uma grande admiração pela China e pelo povo chinês e todas as suas extraordinárias descobertas e contribuições para a História da Humanidade e todas as suas qualidades.
Tínhamos decerto tido um papel importante, do qual com modéstia nos orgulhávamos, de termos chegado à China por mar antes de qualquer outro país ocidental e de termos trazido o Ocidente ao Oriente e o Oriente ao Ocidente, promovendo os contactos comerciais e as interações culturais com a China para benefício mútuo. Sem uso da força, de que não dispúnhamos.
Mas, na minha opinião, Portugal nunca tinha sido tão grande quanto ele tinha dado a entender, nem tão pequeno como nos via na atualidade.
Despedimo-nos cordialmente, cada um seguindo o seu caminho.
Hoje, Portugal, uma potência média europeia, com os seus 10 milhões de habitantes, com o seu posicionamento no Atlântico Norte e à boca do Mediterrâneo, com a sua política externa bem definida e enquadrada e com relações privilegiadas com uma enorme diversidade de países nos vários continentes, é para a China um parceiro atrativo e valioso, como a China é para Portugal um país incontornável.
A relação multisecular é sem dúvida um fator importante que contribui para a confiança mútua e que torna as relações entre os nossos dois países mais fáceis e afetuosas.
Os 40 anos de relações diplomáticas e a evolução positiva das mesmas são prova de que os nossos interesses são convergentes e as relações mutuamente benéficas.
É sobre esta base que temos que trabalhar reforçando os nossos laços políticos, económicos, culturais e científicos. Todos temos a ganhar.
O papel das Universidades é particularmente importante, como é também o da CCILC e instituições similares.
Angra do Heroísmo, 24 de julho de 2019
Pedro Catarino