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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO



Colóquio Institucional para Assinalar os 10 Anos da Parceria Estratégica Portugal-China

Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-China e Observatório da China

 

 

 

O PRESENTE E O FUTURO DAS RELAÇÕES ENTRE PORTUGAL E A CHINA

Estratégias Convergentes

 

1979-1999 - Resolução da questão de Macau

2000-2005 -A RAEM como elo com Portugal e ponte para os países lusófonos

2005-2015 -Parceria estratégica Portugal/China

 

Agradeço vivamente o amável convite que me foi dirigido pelo Sr. Dr. Rui Lourido, Presidente do Observatório da China e saúdo cordialmente o Sr. Dr. Vitalino Canas, Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-China.

É para mim uma honra intervir neste colóquio.

Tive o privilégio de ser Embaixador em Pequim durante cinco anos e meio, no período em que Hong Kong e Macau foram reintegrados na China e de ser envolvido no processo de transição de Macau. Foram catorze anos da minha carreira profissional em que estive ligado à China e é com muito gosto que vos falo de um país a que fiquei tão fortemente ligado.

Intitulei a minha comunicação – estratégias convergentes – e dividi a minha exposição em três períodos: de 1979 a 1999, em que a resolução da questão de Macau constituiu o núcleo central da nossa relação com a China; de 2000 a 2005, que corresponderam ao início da vida da RAEM e em que foram reforçadas as premissas para que Macau pudesse ser um elo com Portugal e uma ponte para a Lusofonia; e, finalmente, de 2005 a 2015, já na vigência da Parceria Estratégica entre Portugal e a China, em que as relações entre os dois países têm florescido exponencialmente.

Para respeitar o tempo que me é concedido vou limitar a minha intervenção aos pontos principais do texto que preparei e que entregarei ao secretariado deste colóquio.

 

1979-1999 – Resolução da questão de Macau

 

Foi com o estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, em 8 de Fevereiro de 1979, que se iniciou um novo ciclo nas relações entre os dois países.

O estabelecimento de relações correspondeu ao desejo manifestado pela parte portuguesa, logo a seguir à revolução de 25 de Abril de 1974 e teve lugar uns anos depois, após delicadas negociações entre os dois governos.

A parte chinesa advogou que as relações fossem perspetivadas para o futuro e valorizadas sobretudo pela forma como os dois países conseguissem resolver a questão de Macau, legada pela História e a sua relação futura.

Quis assim a China que a questão de Macau fosse o “litmus test” da relação entre os dois países.

Chegou-se a um acordo satisfatório para ambas as partes, que constituiu uma boa base para as posteriores negociações sobre Macau, em conformidade com a Constituição Portuguesa e com os desiderata da parte chinesa.

O mesmo desejo de focar a atenção no contexto temporal subsequente ao estabelecimento de relações diplomáticas ficou expresso na Declaração Conjunta assinada em 13 de Abril de 1987.

Permitam-me que sublinhe que isto não quer dizer que as relações históricas de cinco séculos, continuas e pacíficas, não sejam importantes ou relevantes para as relações entre os dois países e os nossos dois povos.

São-no certamente e, no nosso caso, constituem mesmo uma razão forte para uma diferenciação que deve ser reconhecida.

Devemos, no entanto, ter consciência das sensibilidades chinesas quanto à sua história e a um passado não muito distante e a memória que as intervenções estrangeiras deixaram no espírito do povo chinês.

Por isso o relacionamento mútuo deve ser enquadrado primordialmente em fatores atuais e numa visão do futuro e as relações históricas apresentadas com modéstia e tato.

Em 1979, a China tinha, sob a égide de Deng Xiaoping, entrado decididamente numa nova fase, de reforma e abertura, após o período negro de total isolamento da revolução cultural.

Era vital, segundo Deng, que a China se abrisse às nações mais desenvolvidas e retirasse as inerentes lições para o seu próprio desenvolvimento. Ele próprio, para esse fim, visita o Japão, Singapura e os Estados Unidos da América.

Entre os líderes chineses todos se perguntavam: “Se o Japão e a Alemanha, países derrotados na última guerra mundial, tinham podido reerguer-se tão rapidamente; se a Suíça que, como o seu povo diz, só recebeu de Deus o sol e a água, podia orgulhosamente contar-se entre as nações mais desenvolvidas do mundo; porque é que a China, com todas as suas capacidades, não podia fazer o mesmo?”

A China embarca assim numa modernização profunda da sua economia. Cria zonas económicas especiais, abertas ao investimento estrangeiro e à incorporação de novas tecnologias e equipamento. É o arranque de uma transformação que haveria de expandir-se a toda a China e torná-la, trinta anos depois, na segunda economia do mundo.

O papel dos “compatriotas” chineses do Ultramar, Taiwan, Hong Kong e Macau, revelou-se extremamente importante, tendo sido convidados a investir nas zonas criadas, mas sobretudo a dar conselho aos líderes chineses.

Gu Mu, que foi Vice PM e teve um papel importante para o desenvolvimento das zonas económicas especiais, tem para aqueles estas palavras: “o que nós esperamos de vós não é investimento, mas sim as vossas sugestões e que cumpram as vossas obrigações para com o vosso país”.

Hong Kong torna-se o primeiro investidor na República Popular da China (RPC) e Macau no quarto.

A zona do Rio das Pérolas e praticamente toda a província de Guangdong com os seus oitenta milhões de habitantes, tornam-se palco de uma verdadeira “joint venture” de proporções gigantescas.

Estavam criadas, assim o entendeu a China, as condições para a reunificação da Mãe-Pátria, com a reintegração de Hong Kong, Macau e Taiwan, aos quais estaria reservado um papel importante na modernização e transformação da RPC.

Era pois importante, para tal fim, que tivesse lugar uma normalização das relações entre a China e Portugal, que entretanto já tinha ultrapassado os tempos incertos da revolução e enveredado pelo caminho das democracias ocidentais. Tínhamo-nos tornado para os chineses um interlocutor fiável e estava aberta a via para as negociações e resolução da questão de Macau.

A questão de Hong Kong deveria contudo ficar resolvida antes, não só pela sua carga histórica, mas também e sobretudo porque o termo da cessão à Grã-Bretanha dos Novos Territórios, em 1 de Julho de 1897, embora baseado num Tratado considerado pela China de iníquo, como todos os outros, não podia ser ultrapassado sob pena de uma perda inaceitável de face para a China.

Este sentimento, a que os ocidentais chamariam de “honra ferida”, ficou bem expresso nas palavras do Vice MNE Zhang Wenjin, exprimindo o pensamento do seu líder supremo. E cito: ”se não recuperássemos Hong Kong, não poderíamos olhar de frente os nossos antepassados, os mil milhões de cidadãos da China, todos os seus descentes e os povos do Terceiro Mundo”.

Quanto a Macau, apesar de um passado diferente, a parte portuguesa compreendeu bem que estávamos perante o curso inelutável da História.

Não seria realista fazer-lhe obstáculo.

Entendemos que satisfaríamos melhor os nossos interesses e também os da população de Macau, através de uma cooperação construtiva e um espírito de compromisso com a parte chinesa, procurando retirar benefícios de um reforço das nossas relações com a RPC.

O processo de negociação da Declaração Conjunta foi relativamente rápido, sem graves controvérsias.

O período de transição, em que tive o privilégio de estar envolvido como chefe da parte portuguesa do Grupo de Ligação Conjunto, decorreu por sua vez de forma harmoniosa, na base de uma cooperação construtiva e amigável.

Nem sempre foi fácil e exigiu de ambas as partes um esforço continuado e persistente e um considerável espirito de compromisso. Houve um sem número de questões delicadas que tiveram que ser tratadas com paciência e compreensão mútuas.

Mas recaiu, sobretudo no Governo de Macau, a ingente tarefa de pôr em execução durante todo o período de transição as medidas que era necessário introduzir na Administração e no sistema legal, de modo a assegurar uma continuidade no funcionamento das instituições após a transferência de poderes.

Fê-lo com competência e sentido de responsabilidade, aproveitando bem a conjuntura favorável e podemos dizer que Portugal deixou em 20 de Dezembro de 1999 uma estrutura administrativa eficiente e excelentes condições socioeconómicas e financeiras às autoridades da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).

Foi assim possível, na base da fórmula “um país, dois sistemas”, a manutenção do sistema legal, social e económico, bem como das liberdades fundamentais e uma larga autonomia, conforme estipulado na Declaração Conjunta.

Podemos dizer que houve em todo o processo uma convergência de interesses estratégicos das duas partes.

 A China pôde realizar o seu objetivo estratégico de alcançar através do diálogo e acordo mútuo e de uma forma tranquila uma solução para uma questão considerada por ela como fundamental, não só por se tratar de uma questão de soberania, relativa à integridade do território chinês, mas também por constituir um exemplo e porventura um prenúncio de uma solução para a questão de Taiwan dentro do grande desígnio da China da reunificação da Mãe-Pátria.

Mas não seria, nem vai ser, fácil a consecução deste desígnio. O próprio Deng Xiaoping desabafou a um grupo de visitantes de Taiwan, a quem disse e cito: “se não pudermos reunificar a China já, fá-lo-emos dentro de um século; se não for dentro de um século, será dentro de um milénio”.

Por outro lado, a solução da questão de Macau permitiu a continuação do importante papel de apoio à modernização da China, deixando a porta aberta a uma gradual evolução do sistema económico da China, sem quebra da autoridade do partido ou abandono do socialismo como doutrina do Estado.

Portugal por seu lado pôde cumprir a sua missão histórica, salvaguardando a dignidade do Estado Português. A solução encontrada conferiu uma adequada proteção dos nossos interesses e a forma como decorreu todo o processo, permitiu-nos deixar um legado que assegurou a continuidade da prosperidade de Macau e os direitos dos seus habitantes.

Macau ficou a constituir uma mais-valia nas nossas relações com a China influenciando muito positivamente o reforço dessas relações.

 

2000-2005 – A RAEM como elo com Portugal e ponte para a lusofonia

 

Hoje, Macau, quinze anos após a transferência de poderes, é um território próspero, com uma vida e autonomia próprias, com um desenvolvimento notável, que tem dado continuidade à herança recebida e honrado os termos da Declaração Conjunta.

As dúvidas que poderão ter surgido aquando da criação da RAEM quanto à sua possível chinezização e à sua absorção, transformando-se num território igual a qualquer outro do interior da China ou num subúrbio de Hong Kong, não chegaram a materializar-se.

Embora a RAEM tivesse todos os ingredientes para que tal não viesse a suceder e gozasse de condições sociais, económicas e administrativas que a governação portuguesa tinha metódica e consistentemente estruturado, um enfraquecimento das suas raízes lusas e a possibilidade de vir a prevalecer uma tendência para a uniformização perante a pressão demográfica chinesa, poderiam ter conduzido à diluição e ao eventual desaparecimento dos elementos diferenciadores da identidade de Macau.

Felizmente não foi o que sucedeu e, quer os novos dirigentes da RAEM, quer sobretudo os líderes da RPC, com a sua sabedoria e experiência e com o seu pragmatismo e realismo, viram o potencial do território para ser uma plataforma para uma cooperação frutuosa, não só com Portugal mas com todo o espaço lusófono.

Era na verdade uma oportunidade para dar continuidade à vocação como entreposto comercial e ponto de encontro de culturas e de povos que o território tinha tido durante toda a sua história.

Era, por outro lado, uma oportunidade para a internacionalização de Macau como plataforma de negócios, trazendo-lhe uma utilidade acrescida para a transformação da China e para a sua afirmação como potência global com interesses diversificados e abrangentes.

Foi neste espirito que foram criados o Fórum e a Plataforma de Serviços para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com sede na RAEM, com o objetivo de promover a cooperação económica, o comércio e o investimento entre os seus membros.

Estes instrumentos têm sido utilizados pela China de uma forma inteligente e pragmática como um canal de comunicação, sobretudo com os países africanos de expressão portuguesa, criando uma atmosfera de proximidade propícia à construção de relações de confiança.

Neste contexto, a organização judiciária da RAEM e a legislação local de matriz portuguesa que dá corpo ao seu modelo económico-financeiro e constitui uma base segura e de confiança para os investidores e parceiros económicos, constituem uma excelente plataforma para a facilitação de negócios e relacionamento jurídico com terceiros países, pertencentes à lusofonia, com sistemas jurídicos de matriz semelhante.

A advocacia de negócios encontra aqui um campo de atuação de grande valia e uma oportunidade para assegurar aos seus clientes significativas vantagens competitivas.

A China viu por outro lado que a singularidade de Macau e o seu património cultural e arquitetónico constituía não só o testemunho de um passado que deveria ser conservado, mas uma potencial fonte de riqueza a ser aproveitada e explorada.

Foi assim que apresentou à UNESCO a candidatura do centro histórico de Macau como património da humanidade, algo que Portugal tinha pretendido fazer no período de transição, mas que a China tinha entendido ser uma questão ligada à soberania e portanto a si reservada.

Foi um passo muito importante, ligado com o nosso passado histórico, que veio valorizar Macau como destino turístico e cultural de qualidade.

Essa valorização é tanto mais desejável quanto é certo que as receitas do jogo estão a diminuir, tornando imperativa uma diversificação das suas atividades económicas e a criação de novas fontes de riqueza.

A língua portuguesa, uma das línguas oficiais da RAEM e língua global falada por mais de duzentos milhões de pessoas em oito países dispersos por quatro continentes, deverá ser considerada também como um valioso ativo e como uma oportunidade para fazer do território um centro de cultura lusófona e de ensino da língua portuguesa, um verdadeiro “workshop”, que atraia quem na China ou na região queira aprender e melhorar o seu conhecimento da língua portuguesa.

A educação é cada vez mais um sector que, para além do impacto cultural, tem um significativo impacto económico e os investimentos na educação têm sempre um efeito multiplicador na qualificação da mão-de-obra e qualidade de vida.

Citei alguns dos sectores que integram os objetivos estratégicos da China em relação ao futuro da RAEM e que coincidem com os objetivos estratégicos de Portugal.

Mais uma vez encontramos um vasto campo de convergência, em que podemos juntar os nossos esforços e os nossos contributos específicos, numa tarefa de interesse comum.

Deveremos reforçar os instrumentos que temos e que podemos criar, quer a nível das representações consulares e comerciais, quer a nível da sociedade civil – fundações, institutos, universidades, etc. - para desenvolver todo o potencial existente

 

2005-2015 – Parceria estratégica Portugal-China

 

O período de 1979 a 1999 em que as nossas relações com a China estiveram focadas na questão de Macau e o período até 2005 correspondente ao início da vida da RAEM, a que acabo de me referir, foram anos que proporcionaram uma aproximação dos nossos dois países devido sobretudo ao bom entendimento e à forma como decorreu o processo de Macau.

Nesse período realizaram-se numerosas visitas recíprocas ao mais alto nível que foram contribuindo para essa aproximação e para um melhor conhecimento mútuo e um interesse crescente de parte a parte pelas realidades de cada um dos dois países.

Eu próprio, enquanto Embaixador em Pequim e em virtude da questão de Macau, tinha um acesso privilegiado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Era rara a semana em que não tinha encontros, muitas das vezes com o Primeiro Vice- Ministro Wang Yingfan, que tinha a responsabilidade do dossier de Macau. Da mesma forma no Conselho de Estado onde um antigo embaixador em Lisboa, Chen Ziying, então com a categoria de Vice-Ministro, se ocupava de Macau.

Foram inúmeras as visitas, quer na China, quer em Portugal, que acompanhei na minha qualidade de embaixador na capital chinesa: Presidentes, Primeiros-Ministros, Presidentes dos Parlamentos, altas Instâncias Judiciais, chefias militares, ministros, representantes dos partidos políticos, reitores de universidades, etc., etc. Para além, é claro, das visitas do Governador de Macau, sempre recebido em Pequim ao mais alto nível e com todas as honrarias.

Foram anos, por outro lado, em que o processo de modernização e transformação da China evoluiu com enorme rapidez, apenas com alguma desaceleração subsequente aos acontecimentos em Tiananmen em Junho de 1989.

Nos últimos anos da década de noventa, com a reintegração de Hong Kong e Macau, com a comemoração dos cinquenta anos da RPC, a vitória da China para a organização dos Jogos Olímpicos e a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC), assistimos a uma verdadeira metamorfose da sociedade chinesa no gigante económico que é hoje, que ficou conhecida como o “milagre da China”.

Levou, contudo, alguns anos ainda, para que o excelente relacionamento político entre Portugal e a China, se refletisse no plano económico, no plano concreto dos factos.

A distância, as diferenças culturais, a nossa pequena dimensão e falta de meios, a concentração das nossas trocas comerciais na UE e em mercados de mais fácil acesso, a falta de preparação e de ambição dos nossos empresários para penetrarem num mercado difícil como o chinês, enfrentarem a concorrência e fazerem os investimentos necessários, a inércia da nossa máquina administrativa, a deficiente preparação das missões, foram todas razões para que o relacionamento económico entre os dois países custasse a arrancar.

Mais uma vez acabou por ser a convergência dos interesses estratégicos dos dois países que conduziu a uma alteração quantitativa e qualitativa da situação, que culminou com a Parceria Estratégica entre Portugal e a China, assinada em Dezembro de 2005 aquando da visita ao nosso país do Primeiro Ministro Wen Jiabao.

Para tal contribuiu a emergência da China como uma potência global, espraiando os seus interesses e a sua ação a todos os continentes e a todos os oceanos e levando-a a valorizar a sua relação com um país como Portugal.

Atentas as diferenças de dimensão e temporais, é a História que se repete no mundo contemporâneo, em sentido inverso.

Nos séculos XV e XVI foi Portugal, um pequeno país da costa ocidental da Europa, que abria as rotas marítimas ao comércio mundial e que sucessivamente circundava toda a costa de África, chegava à India, a Malaca, à China, às Molucas, ao Japão, a Timor. Era o prenúncio da globalização.

Passados cinco séculos, a China, um gigante emergente, vai abarcando no sentido inverso todo o mundo ocidental marcando a sua presença e conquistando mercados. É a consumação da globalização, agora propulsionada pelas modernas tecnologias.

Era pois natural que a China olhasse para Portugal, dada a nossa situação geográfica, à porta da Europa e do Mediterrâneo e no Atlântico Norte, a meio caminho entre a Europa e os EUA e com relações privilegiadas com a América Latina e África, como um parceiro interessante e atrativo para multiplicar os efeitos da sua projeção económica, nomeadamente em paragens onde deixámos o nosso rasto e a nossa língua.

Portugal apresentava além disso muitas outras vantagens: a estabilidade das nossas instituições, uma política externa bem definida e estruturada através da nossa inserção nos espaços europeu, atlântico e lusófono, com importantes ramificações em África e na América Latina, o facto de sermos um país com uma reduzida dimensão e sem pretensões a obter posições de domínio político ou económico e sem agendas concorrenciais.

Éramos ainda um povo com capacidade de diálogo e uma grande empatia para com diferentes culturas e mentalidades e com vocação para sermos uma ponte entre os povos e civilizações, que nos dava um significativo “soft power”. Tal tinha ficado bem demonstrado com as vitórias por duas vezes no passado recente, das nossas candidaturas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), contra países à partida muito mais poderosos.

Estávamos ainda ligados à China pelo sucesso de Macau, que nunca devemos deixar de sublinhar e valorizar e por uma relação histórica, única no mundo, de cinco séculos.

A China, na sua afirmação como potência global e uma visão pragmática e utilitarista viu bem as vantagens de uma colaboração connosco no plano governamental e empresarial, valorizando o nosso bom relacionamento com os países africanos, sobretudo os de língua portuguesa, instrumento importantíssimo da ação económica.

Pelo nosso lado, a China, segunda economia mundial, passou a ser um país incontornável na Ásia e no mundo, um mercado gigantesco oferecendo oportunidades em todos os sectores da vida económica e para todo e qualquer produto, através do seu desenvolvimento interno e como plataforma para os mercados asiáticos.

Era pois imperativo passar das intenções e das palavras aos atos, valorizarmos todos os nossos trunfos e vantagens competitivas e que o nosso bom relacionamento político se refletisse no campo económico.

E com urgência, pois já tínhamos perdido demasiado tempo.

Cito apenas um exemplo. Em Setembro de 2002, Li Lanqing, Vice-Primeiro-Ministro Chinês e membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês, um peso pesado da política chinesa, que fora o braço direito de Deng Xiaoping na política de modernização da China, veio a Portugal propor uma colaboração tripartida em África, numa base empresarial lucrativa não só nos países lusófonos mas também noutros países.

Quer o estatuto do visitante, quer a forma repetida e o nível em que concretizou as suas diligências, foram um claro sinal do empenho dos chineses na colaboração connosco.

O que é fizemos na altura? Nada, que se saiba.

Mas mais de doze anos depois ouvimos agora altos dirigentes do nosso país referir a colaboração tripartida com a China em África como um dos nossos objetivos, como um novo caminho a ser explorado.

Só que entretanto, de 2002 até hoje, a China já injetou milhares de milhões em África, nomeadamente na África lusófona, sem esperar pela nossa resposta.

Enfim, mais vale tarde do que nunca.

A necessidade imperativa de diversificação das nossas exportações e de internacionalização da nossa cooperação económica externa, tem na relação com a China uma oportunidade que deve ser maximizada e não pode ser desperdiçada.

As aquisições por companhias chinesas em Portugal, nomeadamente da parte do Estado português na EDP e na REN, companhias com um elevado grau de internacionalização, vêm não só permitir uma capitalização essencial, mas também abrir novas oportunidades e campos de atuação para as empresas e mão-de-obra portuguesas.

Ainda há dias li na imprensa que a “China Three Gorges Corp”, presente acionista da EDP, estava interessada em investir no Brasil 5,9 mil milhões de dólares na construção de uma nova central hidroelétrica.

Tínhamos, portanto, todas as razões e todas as condições para acordarmos com a China uma parceria estratégica entre os dois países. Fomos o quarto país da UE a fazê-lo.

Esta parceria mais uma vez baseada na convergência de estratégias veio nos últimos dez anos impulsionar as exportações recíprocas, a cooperação económica e os investimentos sobretudo chineses em Portugal, com benefícios inegáveis para ambos os países. 

Só quem não conheça a China e o desenvolvimento extraordinário e espetacular que está a ocorrer naquele país, pode ter dúvidas ou criticar o crescente envolvimento dos chineses na economia portuguesa.

Tive oportunidade de ser testemunha desse desenvolvimento enquanto em Pequim bem como no início dos anos oitenta, do “boom” de Hong Kong e pude apreciar o que o génio chinês é capaz de fazer. No caso de Hong Kong que é também o de Singapura, num quadro sócio-económico-administrativo de cariz ocidental.

Quer Hong Kong, quer Singapura, são das economias mais livres do mundo e têm dos mais elevados níveis de desenvolvimento humano.

Permitam-me para concluir que saliente que a ascensão vertiginosa da China e a sua afirmação como potência global é, antes de mais, fruto da cultura chinesa e das qualidades do povo chinês.

Devemos procurar na longa história da China, na sua brilhante civilização e nas qualidades de um povo orgulhoso da sua pátria, industrioso, inteligente e criativo, as razões do sucesso do presente.

Quem desconhecer isso não consegue perceber a transformação da China e o que ela é hoje e poderá ser no futuro.

Quem queira lidar com os chineses terá que estudar a cultura e a história da China, conhecer a sua literatura, aprender a apreciar a sua arte.  Terá que ler os autores chineses e tentar perceber a alma e mentalidade do povo chinês. Só assim poderá compreender a realidade complexa que é a China e otimizar as condições da sua atuação naquele país.

Por isso julgo que é essencial promovermos o conhecimento mútuo dos nossos dois países, das nossas línguas, histórias, culturas e artes. Com o passado histórico que liga os dois países estamos em ótima posição para o fazer.

É o repto que aqui deixo.

O papel de Institutos como o Instituto Camões e o Instituto Confúcio é importantíssimo, assim como evidentemente o das nossas representações diplomáticas e consulares e de instituições da sociedade civil como fundações, câmaras do comércio e outras organizações culturais e empresariais.

As universidades deverão cada vez mais ter cursos focados em cada um dos dois países: línguas e literaturas, direito e instituições políticas, gestão e comércio, etc.

O intercâmbio entre universidades e também entre docentes e estudantes universitários deve ser promovido.

O papel de Macau deverá ser integrado e aproveitado neste esforço comum do qual resultará, estou certo, um futuro brilhante para as relações entre Portugal e a China e uma aproximação crescente entre os nossos dois países e os nossos dois povos.

 

 

 

Sala do Senado da Assembleia da República,

Lisboa, 3 de Junho de 2015

Pedro Catarino