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A tragédia de um povo em busca da liberdade

 

Enquanto mantiver os seus propósitos de agressor e de invasor, não há lugar para Putin no nosso mundo. No mundo que estamos a construir, baseado na liberdade e no respeito mútuo. No mundo que queremos deixar aos nossos filhos e netos e às futuras gerações.

Num mundo em que o direito de qualquer povo em escolher o seu modelo político institucional é respeitado e assegurado.

Foi este direito que Putin, cruelmente e sem rebuços, negou à Ucrânia com o pretexto, falacioso, de que uma aproximação com o mundo ocidental constituía uma ameaça à segurança da Rússia.

A Ucrânia, um país que após o colapso da União Soviética renunciou voluntariamente às armas nucleares existentes no seu território, tendo recebido nessa altura o compromisso das potências nucleares, incluindo a Rússia, que garantiriam a sua independência e a integridade do seu território.

A Ucrânia, que mais não tem procurado do que focar-se na construção de um país melhor, mais próspero, com um governo representativo e instituições democráticas, baseadas na livre escolha dos cidadãos.

Em paz, de mãos dadas com os países que comungam com os seus ideais democráticos, com uma Europa unida pelos valores que lhes são comuns.  Sonhando com um futuro em paz e liberdade. Um futuro aberto a todos os países e a todos os povos, incluindo a Rússia, esperando que um dia o povo russo possa, por sua iniciativa e livremente, juntar-se à família dos países democráticos.

A intervenção na Crimeia e em Donbass levou o governo da Ucrânia a procurar a sua integração na NATO com o intuito de assegurar a defesa da sua integridade territorial, dada a insuficiência de meios próprios e as suas vulnerabilidades.

O intuito dessa integração, não concretizada, saliente-se, seria meramente defensivo, como defensiva foi sempre a natureza da NATO. A Ucrânia esperaria que a proteção da NATO lhe permitisse concentrar-se nos seus objetivos de construção do seu futuro, dentro de uma integração na União Europeia.

É o avanço da democracia e a recusa da Ucrânia em vergar-se e submeter-se ao seu mando, que perturbam Putin e a sua lógica imperialista.

É este avanço da democracia que Putin teme, por ameaçar o exercício incontestado e absoluto do seu poder.

A invasão da Ucrânia é mais um passo para um almejado restabelecimento do império soviético, cujo colapso Putin qualificou como o maior desastre geopolítico do século XX.

Hoje estamos perante um retrocesso civilizacional que vem alterar radicalmente o quadro da segurança na Europa e no Mundo.

 

Trabalhei como diplomata durante 12 anos na NATO, no tempo da guerra fria, tendo sido responsável durante seis anos e meio pela gestão de crises, como Diretor das Operações do Conselho (órgão máximo da NATO) no Secretariado Internacional da Organização.

Aliança política e militar de carácter defensivo, a NATO foi criada para contrabalançar a ameaça da União Soviética e garantir a segurança dos seus membros e a preservação da paz.

Durante mais de 40 anos, desde o fim da 2ª Guerra Mundial até ao colapso da URSS, a NATO orgulha-se de ter alcançado os seus objetivos sem ter disparado um único tiro.

Durante esse período, os membros europeus da NATO, tendo garantida a sua segurança pela superioridade militar dos EUA e o seu compromisso no âmbito da NATO, nomeadamente o artigo 5º da Carta do Atlântico, puderam concentrar-se no seu desenvolvimento económico e social e na construção do que viria a ser a União Europeia, projeto generoso de integração, aberto e democrático, de cooperação e de partilha de soberania.

Com o colapso da URSS, houve vozes que advogaram o fim da NATO. Não havendo ameaça, diziam, não havia razão para se manter a organização.

Felizmente que isso não sucedeu.

A NATO reconfigurou-se, alargou o número dos seus membros com as novas democracias do leste da Europa, redefiniu a sua estratégia e os seus objetivos, continuando, contudo, a ser uma aliança defensiva.

Procurou, nomeadamente, estabelecer uma parceria com a Federação Russa associando-a aos seus trabalhos.

Vemos agora que a ameaça representada pela URSS não só não desapareceu, mas ter-se-á porventura agravado com o renascimento da ideologia totalitária do sovietismo que as recentes ações e declarações de Putin vêm suscitar. A sua ameaça de recurso às armas nucleares postas em estado de alerta, com um propósito intimidatório, é particularmente preocupante.

É um novo mundo com que temos que contar, um novo contexto que vai exigir por parte da NATO novas estratégias, um significativo reforço das capacidades militares e, sobretudo, uma unidade sem fraturas.

Os tempos mudaram e hoje a guerra tem novas vertentes de elevada relevância: a cibersegurança, o uso do espaço, a disseminação de informações e o seu efeito nas opiniões públicas, os instrumentos económicos, etc.

Putin já declarou que a Ucrânia não tinha direito de existir como estado independente.

Desencadeou, em violação do Direito Internacional e da Carta das Nações Unidas, uma invasão em grande escala da Ucrânia, por terra, por ar e por mar, que vinha preparando metodicamente há muito.

 

Agressão não provocada, premeditada, sem justificação, cujos objetivos, embora velados, vão-se tornando cada vez mais evidentes e que de forma simplificada a seguir se enumeram:

- Ocupação militar do território;

- Remoção de Zelensky e dos seus governo e administração;

- Imposição de um governo e uma administração pró-russas.

Consumados estes objetivos seguir-se-ão previsivelmente o desmantelamento das instituições democráticas, o corte dos laços com a União Europeia e a russificação de toda a Ucrânia.

A substituição das bandeiras da Ucrânia por bandeiras da Federação Russa à medida do avanço das tropas russas é bem reveladora das intenções de Putin.

Será o fim da Ucrânia como país independente, democrático e livre e a sua sujeição ao jugo russo.

Por quanto tempo? O futuro o dirá.

Estou convencido que os objetivos mencionados não são negociáveis para Putin.

As negociações, aceites por Putin por razões ligadas à manipulação da opinião pública, sobretudo russa, poderão prolongar-se, mas não evitarão, na minha previsão, o que parece inevitável.

Um verdadeiro tsunami, uma onda avassaladora, cinco divisões, 60 mil soldados aproximam-se de Kiev. Outras ondas se necessário lhe seguirão. Sem apelo nem agravo.

A resposta à agressão russa tem que ser firme e abrangente, penalizando e isolando a Rússia, fazendo-lhe sentir o elevadíssimo custo que uma guerra não provocada implicará.

Apenas se deverão evitar do ponto de vista militar erros de cálculo que poderão ter consequências trágicas, porventura catastróficas.

Da mesma forma, a ajuda à Ucrânia e aos ucranianos tem que ser total e durar até ao restabelecimento integral da sua independência.

A pressão tem que ser constante no tempo e permanente no grau até esse restabelecimento.

 Estou certo de que nessa altura a Ucrânia renascerá das cinzas para um brilhante futuro, como um proeminente e respeitado membro da União Europeia.

Grande povo, o povo ucraniano. Só podemos admirar a sua coragem e patriotismo.

Hoje, somos todos ucranianos.

 

 

 

Pedro Catarino

Embaixador Jubilado

 

Angra do Heroísmo, 3 de março de 2022