GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA
PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES
SOLAR DA MADRE DE DEUS
ANGRA DO HEROÍSMO
6º. Curso Intensivo de Segurança e Defesa nos Açores IDN- 2021
Boa tarde a todos os que me escutam em Ponta Delgada e em Angra do Heroísmo
Tenho muito gosto em participar neste 6º. Curso Intensivo de Segurança e Defesa organizado pelo Instituto de Defesa Nacional com o patrocínio do Governo Regional dos Açores e em parceria com a Universidade dos Açores.
Uma das minhas obrigações é prestar conta do desempenho das minhas funções e é importante que os quadros da Administração Regional e dos Serviços da República bem como a sociedade civil tomem consciência da forma como as instituições funcionam e do seu enquadramento constitucional vigente.
Permitam-me que dirija uma saudação especial para a Senhora Professora Doutora Helena Carreiras, Diretora do IDN, e para o Senhor Coronel Carlos Rodrigues, Diretor deste curso.
Como porventura a maioria de vós sabe, eu sou um diplomata de carreira jubilado que me encontro a desempenhar o cargo de Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.
Estou nos Açores há quase 10 anos, aproximando-se o final do meu 2º mandato para o qual fui nomeado pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Para o 1º mandato fui nomeado pelo então Presidente, Professor Cavaco Silva.
O mandato tem a mesma duração do mandato do Presidente da República, que nomeia o Representante da República, depois de ouvido o Primeiro Ministro.
O Representante da República responde perante o Presidente da República de cuja confiança exclusiva depende. Tem, contudo, competências próprias definidas pela Constituição, Estatuto Político-Administrativo da Região e Estatuto do RR.
O atual Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, entendeu por bem consultar, previamente à nomeação, conforme informou na tomada de posse dos 2 Representantes da República, os órgãos de governo próprio da Região, embora tal consulta não seja imposta pela Constituição ou pelo Estatuto.
Sou o nono titular do lugar, que teve a designação inicial de Ministro da República, quando criado em 1976.
Os 4 primeiros foram oficiais generais, o quinto um professor de Direito e os 3 seguintes Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.
Denominador comum entre os nomeados, é o facto de todos serem servidores do Estado, com longas carreiras de serviço público, sem ligação aos partidos e sem qualquer atividade político-partidária.
É este também o meu caso. Abracei a carreira diplomática em que o serviço do Estado se sobrepõe às convicções ideológicas ou preferências partidárias.
Assumi durante a minha carreira ativa funções de representação do Estado em países estrangeiros, negociações internacionais e organizações internacionais em que procurei sempre servir os interesses do meu país sem distinguir a cor política dos governantes do momento.
Creio que este facto é importante para se compreender o meu desempenho como Representante da República. Exerço as minhas funções com total independência de qualquer força partidária.
Antes de vos falar do enquadramento constitucional e dos antecedentes históricos do meu cargo e a fim de tornar esta palestra mais viva e atual e aberta ao debate, vou-vos dar conta da minha recente intervenção para a indigitação e nomeação do atual Presidente do Governo Regional, que tanta tinta fez correr e a tantos comentários deu origem.
Estarei pronto para responder às vossas perguntas, ou para prestar os esclarecimentos sobre qualquer ponto que desejem suscitar.
O artigo 231º, nº 3, da Constituição, determina que o Governo Regional é politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa e o seu presidente é nomeado pelo Representante da República tendo em conta os resultados eleitorais.
Por seu lado o Estatuto Político-Administrativo dispõe no seu artigo 81º, nº1, que o Presidente do Governo Regional é nomeado pelo Representante da República tendo em conta os resultados das eleições para a Assembleia Legislativa, ouvidos os partidos políticos nela representados. Daqui resulta que, se e quando houver uma maioria absoluta de um dos partidos, o Representante da República não tem mais do que ouvir os partidos, como mera formalidade e nomear o líder do partido com maioria absoluta na Assembleia Legislativa.
Foi o que sucedeu nas eleições de 2011 e 2016, em que o Partido Socialista teve maiorias absolutas.
Mas o que parece simples nem sempre o é.
Em 2011 aplicou-se pela primeira vez a disposição do Estatuto (artigo 105º) que determina que “o Presidente do Governo Regional só pode ser nomeado para três mandatos consecutivos”.
Ora esta disposição entrou em vigor em 2009 já depois de o então titular do cargo de Presidente do Governo Regional, Sr. Carlos César, se encontrar no seu quarto mandato.
O problema que se punha então era saber se a disposição, dado o princípio da não retroatividade das leis, se aplicaria ou não ao Sr. Carlos César e se este podia ou não recandidatar-se como líder do seu partido às eleições, começando a contar a partir dessa altura os 3 mandatos consecutivos permitidos pela nova redação do Estatuto.
Se tal fosse entendido ele poderia, teoricamente, desempenhar 7 mandatos consecutivos e manter-se à frente do Governo Regional 28 anos consecutivos.
Era uma questão delicada, tanto mais que tinha sido o próprio Sr. Carlos César que promovera a iniciativa de propor a nova disposição do Estatuto sobre a limitação de mandatos.
A questão foi tratada com tato e prudência, tendo havido o cuidado da minha parte de deixar ao próprio o tempo e o modo de encontrar uma solução.
Honra lhe seja feita, o Sr. Carlos César, num ato de coerência política e ética decidiu não se recandidatar nas novas eleições.
Chegamos finalmente às eleições de 25 de outubro de 2020 em que o quadro parlamentar que delas resultou se alterou substancialmente sem que qualquer partido tenha tido uma maioria absoluta.
Entendi que a minha atuação deveria ser orientada dentro dos seguintes parâmetros:
1 – Papel central da Assembleia Legislativa perante a qual o Governo Regional é responsável. Daí que qualquer solução governativa ficaria dependente das posições assumidas pelos partidos na futura Assembleia Legislativa.
2 – Papel essencial dos partidos políticos. Era a estes que competia promoverem ou comporem soluções governativas particulares.
Esta era uma responsabilidade, não minha, mas exclusiva dos próprios partidos.
Daí que eu tivesse dado tempo para que os partidos, sem demasiada pressão, pudessem estabelecer contactos e o diálogo necessários.
Aguardei assim que os procedimentos previstos na lei eleitoral para o apuramento geral dos votos e que os prazos para eventuais recursos para o Tribunal Constitucional decorressem e que os resultados das eleições fossem publicados no Diário da República. Em 6 e 7 de novembro, 12 dias depois das eleições, procedi à audição dos partidos políticos com representação parlamentar.
Contactei previamente para isso, telefonicamente, os respetivos líderes começando pelo partido mais votado e prosseguindo por ordem decrescente até ao menos votado.
As audições, essas, foram iniciadas com o partido menos votado, prosseguindo por ordem crescente até ao mais votado, o PS.
Nos contactos telefónicos apelei aos partidos para que assumissem posições claras e precisas e para que eventuais coligações, acordos de incidência parlamentar ou compromissos mútuos fossem consubstanciados em documentos escritos.
Entendi que só assim se conseguiria um grau de certeza e de clareza que pudesse levar a uma solução governativa sólida e estável e se poderia aferir a sua conformidade com a Constituição e o Estatuto. Da mesma forma só assim o Representante da República ficaria em condições de avaliar, com objetividade, as perspetivas de estabilidade das soluções governativas apresentadas.
Nas audições, após pedir a todos os partidos que fizessem a sua leitura dos resultados eleitorais, confrontei-os com perguntas simples e diretas. Sim ou não se podiam apresentar algum acordo de coligação ou acordos de incidência parlamentar. Que soluções aceitavam e apoiavam e que soluções rejeitavam.
O PS, apesar de ter obtido o maior número de votos e o maior número de mandatos, não apresentou nenhuma coligação de governo, nem celebrou com outros partidos acordos escritos de incidência parlamentar, capazes de alargar a sua base de apoio, para além dos seus próprios 25 deputados.
Em contrapartida, o PSD formou com o CDS-PP e com o PPM uma coligação de governo, assente num acordo político escrito, válido para os 4 anos da legislatura, garantindo uma solução governativa e um apoio permanente de 26 deputados.
Para além disso, obteve o compromisso escrito de um apoio parlamentar estável para o período da legislatura de 2 outros partidos – a Iniciativa Liberal e o Chega.
Todos reunidos perfaziam 29 mandatos, ou seja, uma maioria absoluta.
Acrescente-se que, tanto os partidos da coligação como os partidos dispostos a apoiá-la na Assembleia Legislativa, após eu os ter questionado, declararam, com toda a firmeza e clareza, que votariam sempre contra um eventual programa de governo apresentado pelo PS.
Seguindo as regras democráticas, segundo as quais é no quadro parlamentar que se deve decidir sobre a viabilidade de qualquer solução governativa e dentro do respeito da Constituição e do Estatuto Político-Administrativo da Região, indigitei o líder do PSD-Açores, Dr. José Manuel Bolieiro, como Presidente do novo Governo Regional, tendo-o seguidamente nomeado para aquele cargo.
Os resultados eleitorais e a audição dos partidos determinaram a minha decisão.
Nomear o líder do partido mais votado, ou seja, o PS, teria sido um ato inútil e contrário à evidência dos factos. Nada na Constituição ou no Estatuto o impunha. Pelo contrário, contrariaria o princípio da representação proporcional estabelecido pela Constituição e pelo Estatuto, desvalorizaria a força e a legitimidade do voto popular e o papel da Assembleia Legislativa e retiraria sentido à audição dos partidos determinada pelo Estatuto, esvaziando o papel e a capacidade de julgamento do Representante da República.
Apesar do carácter óbvio dos fundamentos da minha decisão, houve comentadores e políticos que defenderam que eu deveria ter feito o que o Professor Cavaco Silva, enquanto Presidente da República, fez, em 2015, ou seja, convidar o partido mais votado para formar governo.
No entanto permitam-me que observe que as situações eram bem diferentes.
Em 2015, quando o Professor Cavaco Silva indigitou o Dr. Passos Coelho como Primeiro Ministro, não havia nenhuma coligação à esquerda, nem sequer acordos de incidência parlamentar. Em suma, para além da solução governativa que era oferecida pela coligação PSD/CDS-PP, não havia ainda uma alternativa de governo clara, sólida e com perspetivas de estabilidade.
Essa solução só apareceu mais tarde com os chamados acordos da “geringonça”.
Em 2020, nos Açores, no final das audições, deparei-me com uma solução governativa com apoio declarado de maioria absoluta dos deputados da Assembleia Legislativa, que é o órgão que determina quem governa ou não.
Os partidos políticos que formavam essa maioria declararam, preto no branco, não apenas que rejeitariam qualquer solução apresentada pelo partido mais votado, mas também que apoiariam o programa de um governo liderado pelo PSD.
Repito, insistir numa solução em que o líder do partido mais votado seria indigitado para formar governo, seria um ato inútil.
Seria além disso um ato contrário aos dados objetivos e aos compromissos escritos apresentados pelos partidos políticos que ocupavam a maioria dos lugares na futura Assembleia Legislativa.
Em conclusão, deparei-me com um só caminho.
Um caminho que, sendo conforme com a Constituição e com o Estatuto Político-Administrativo, era o único também em sintonia com os princípios democráticos e o carácter parlamentar do regime político-autonómico e do primado que a Assembleia Legislativa aí assume.
Procurar outros caminhos não se justificava e, francamente, acho que estaria a sobrepor-me à evidência dos factos e ao funcionamento da democracia.
Passarei agora em revista os antecedentes históricos do meu cargo.
O regime autonómico dos Açores foi estatuído pela Constituição de 1976.
Ela diz no seu artigo 6º, e cito:
1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e de descentralização democrática da Administração pública.
2. Os Arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.
Por sua vez o artigo 225º diz, e cito:
1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.
2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
3. A autonomia político-administrativa regional não afeta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.
A Constituição, à sua entrada em vigor, em 25 de Abril de 1976, previa então a existência de um Ministro da República, nomeado pelo Presidente da República sob proposta prévia do Primeiro-Ministro e responsável perante os dois, com competências políticas, ministeriais e administrativas e vicariantes de Chefe de Estado.
O Ministro da República superintendia as funções administrativas exercidas pelo Estado na Região e coordenava-as com as exercidas pelos órgãos regionais.
Participava então nas reuniões semanais do Conselho de Ministros.
Em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais, era o próprio Ministro da República que deveria assegurar interinamente o governo da Região.
Este quadro, que configurava de certo modo um sistema de tutela sobre os órgãos de governo próprio regionais, deu origem ao chamado “contencioso das autonomias” que marcou os primeiros anos do regime autonómico dos Açores.
Era um modelo de regionalismo que caracterizou a primeira fase de vivência das autonomias regionais portuguesas e que continha um conjunto de mecanismos institucionais, com o Ministro da República como órgão de controlo, que enquadravam o poder político regional e o sujeitavam à unidade do Estado. Este quadro foi evoluindo através de sucessivas revisões constitucionais – 1982, 1989, 1997, 2004 – que vieram reforçar e densificar a autonomia da Região e alargar significativamente os poderes legislativo e executivo dos órgãos regionais, alterando igualmente o estatuto e competências do Ministro da República.
Especificamente as revisões de 1997 e 2004 vieram modificar os poderes constitucionais do Ministro da República.
A revisão de 1997 veio aproximar o cargo do Presidente da República, suprimir o essencial dos seus poderes governamentais, deixando de ter assento no Conselho de Ministros. As competências administrativas que lhe eram atribuídas passaram a depender de delegação do governo, apenas podendo ser exercidas de forma não permanente.
Em 2004 foi, por sua vez, criado o cargo de Representante da República, que substituiu o de Ministro da República, com competências políticas e responsável exclusivamente perante o Presidente da República.
A revisão de 2004 operou, por outro lado, a supressão total dos poderes administrativos do anterior Ministro da República.
O Governo Regional passou a tomar posse perante a Assembleia Legislativa da Região, anteriormente designada Assembleia Regional.
A partir de 2004, o Representante da República, é configurado como titular de cargo político, residente, com competências no âmbito do funcionamento do sistema do Governo Regional e com funções de representação do Estado e de controlo normativo dos atos legislativos dos órgãos de governo regionais.
No plano protocolar, o Representante da República tem precedência sobre todas as entidades regionais e nacionais nas cerimónias civis e militares que tenham lugar na respetiva Região, que cede quando estiverem presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-ministro.
Resumindo, as competências atuais do Representante da República, para além de uma função simbólica de representação da soberania do Estado, da unidade da Nação e do todo nacional, do qual fazem naturalmente parte os Açores, resumem-se à nomeação do Presidente do Governo Regional e dos restantes membros do Governo Regional e ao direito de veto e fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos diplomas legislativos emanados dos órgãos de poder regionais.
Participa nos seguintes órgãos consultivos: Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República e Conselho Superior de Segurança Interna, presidido pelo Primeiro-ministro, nas reuniões que tratem de assuntos de interesse para a respetiva região autónoma.
Finalmente é-lhe ainda atribuída competência para assegurar a execução da declaração do estado de sítio e do estado de emergência, em cooperação com o Governo Regional, como é o caso na presente situação em que estamos a viver.
As revisões constitucionais que referi, inserem-se num processo de aprofundamento progressivo das autonomias regionais e no alargamento dos poderes legislativos e executivos dos órgãos de governo próprio das Regiões.
Mas foi a revisão de 2004 que veio introduzir uma verdadeira revolução alterando o âmbito das competências dos órgãos de governo próprio, a organização do sistema político regional e o enquadramento das relações entre as regiões autónomas e a República.
Foram eliminados os conceitos de “interesse específico” e “lei geral da República”.
O conceito chave passou a ser o “âmbito regional”.
A Região passou a legislar no âmbito regional, em qualquer das matérias enunciadas no Estatuto Político-Administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.
As regiões recuperaram ainda a faculdade de transpor diretivas comunitárias.
O regime de dissolução dos órgãos de governo próprio foi alterado, consagrando-se o poder do Presidente da República de dissolução da Assembleia Legislativa num regime semelhante ao da Assembleia da República.
A dissolução da Assembleia Legislativa acarreta a queda do Governo Regional reforçando-se a responsabilidade política exclusiva perante a Assembleia Legislativa e a componente parlamentar do sistema político regional.
Foi consagrada a possibilidade de delegação de competências do Governo da República no Governo Regional bem como o estabelecimento de outras formas de cooperação.
Podemos dizer que os Açores gozam hoje de uma considerável e razoável autonomia, ao mesmo tempo assegurada e delimitada pelo quadro legal definido pela Constituição, Estatuto Político-Administrativo e Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
Essa autonomia estende-se aos planos político, legislativo, administrativo, financeiro e patrimonial.
É-lhes por outro lado reconhecido o direito de participação na definição das políticas nacionais sempre que os respetivos interesses estejam em jogo, bem como de participação nas negociações internacionais e no processo de construção europeia, quando estejam em causa matérias que lhes digam respeito.
Passarei a dar conta dos atos praticados no exercício da minha competência de assinatura, fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos diplomas legislativos emanados da Assembleia Legislativa ou do Governo Regional.
Nos 5 anos do meu primeiro mandato promulguei 141 decretos legislativos regionais e 103 decretos regulamentares regionais, num total de 244 diplomas.Usei do meu veto político devolvendo os diplomas à Assembleia Legislativa por 3 vezes, em agosto de 2011, março de 2012 e abril de 2014.
Nas três vezes a Assembleia Legislativa acolheu a minha argumentação, aceitando as minhas recomendações.
Solicitei, por outro lado, ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de 3 diplomas, respetivamente em junho de 2013, outubro de 2013 e dezembro de 2015.
Nos 2 primeiros casos o Tribunal Constitucional deu razão aos meus pedidos, pronunciando-se pela inconstitucionalidade dos diplomas em causa.No terceiro caso, o Tribunal Constitucional decidiu, com o voto contrário de 3 dos seus membros, não se pronunciar sobre a inconstitucionalidade da norma posta por mim em causa.
Finalmente solicitei a fiscalização abstrata e sucessiva, em junho de 2012, da ilegalidade de um decreto legislativo regional, por violação do Estatuto Político-Administrativo da Região, que mereceu a condordância do Tribunal Constitucional.
No segundo mandato promulguei 103 decretos legislativos regionais e 68 decretos regulamentares regionais, num total de 171 diplomas.
Exerci uma vez o veto político, devolvendo um diploma à Assembleia Legislativa, solicitando uma nova apreciação do mesmo, em junho de 2019, pedido esse que foi aceite.
Devo dizer que, em todo o período em que venho desempenhando o meu cargo, tem havido uma excelente colaboração com a Assembleia Legislativa e com o Governo Regional procurando-se proceder a uma análise e escrutínio de conteúdo formal dos diplomas, o que muito tem contribuído para a correção dos respetivos textos legais.
Durante os meus 2 mandatos tenho presidido todos os anos às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, com exceção deste ano, devido à COVID-19.
Tenho proposto ao Presidente da República a atribuição de condecorações a cidadãos e instituições que se destacaram pelos seus méritos e pela sua ação, honrando os Açores e Portugal.
Tenho proferido conferências sobre temas relevantes da vida nacional e regional e dirigido mensagens aos açorianos, cujos textos constam do “site” do Representante da República.
Do que precede poderá depreender-se que tenho procurado exercer as minhas competências com prudência e ponderação, procurando manter um relacionamento cordial com as autoridades regionais, evitando imiscuir-me nos assuntos da competência dos órgãos de governo próprios da Região ou envolver-me em debates que possam influenciar a vida político-partidária regional.
Tenho defendido e incentivado, por outro lado, um relacionamento correto e amistoso entre os órgãos da República e os órgãos regionais e um diálogo e consulta permanentes entre os mesmos.
Algumas palavras sobre o futuro.
O futuro da autonomia e o futuro da figura constitucional do Representante da República.
A autonomia
Ela está consagrada, como já salientei, na Constituição de 1976.
Constitui até, juntamente com a unidade do Estado, um limite material da revisão constitucional.
Tem vindo a ser reforçada e consolidada, como vimos, através de diversas revisões constitucionais.
Perguntar-se-á se a autonomia é passível de ser aperfeiçoada e aprofundada.
Naturalmente que é e será sempre. Tudo na vida, que está sempre a mudar, é passível de aperfeiçoamento e a perfeição total deve ser sempre um objetivo dos nossos esforços.
É o próprio Estatuto Político-Administrativo que diz no seu artigo 14º: “o processo de autonomia regional é de aprofundamento gradual e dinâmico”.
Esse aprofundamento deverá ser feito, sobretudo através do seu exercício, aproveitando todo o potencial que o quadro constitucional vigente oferece.
É um esforço que deve ser desenvolvido pelos órgãos de governo próprio da Região e em que devem colaborar todos os açorianos e que faz parte da noção de autonomia, de autogoverno e da essência da democracia, que está na origem da autonomia.
Esse exercício da autonomia tem aspetos formais e substanciais.
Formais, no que diz respeito à arquitetura institucional regional, à participação, cooperação e coordenação de cada ilha no todo regional, à participação democrática dos cidadãos na vida política da Região, aspetos que podem e devem ser melhorados através da iniciativa e esforços dos próprios açorianos.
Substanciais, no que diz respeito ao desenvolvimento económico-social e à autossuficiência que deverá constituir sempre um objetivo a alcançar, seja por esforço próprio, seja pela solidariedade do todo nacional.
A autonomia é inseparável do desenvolvimento, que deverá ser sempre o foco principal da atenção dos governantes.
Mais uma vez, caberá aos açorianos fazer as opções que melhor entenderem, mas será importante que o façam na base de um bom entendimento e cooperação com as instâncias da República, dentro do espírito da própria Constituição quando diz que a autonomia das regiões visa o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
Por outro lado, o aprofundamento da autonomia poderá ter lugar através do alargamento da esfera de competências dos órgãos de poder regionais, sempre possível, mas que deverá, no meu julgamento, ter sempre em conta os meios e os benefícios envolvidos.
Esse alargamento recai na esfera da competência da Assembleia da República e terá que ser feito através de revisões constitucionais, não devendo afetar a integridade e soberania nacional, nem quebrar o equilíbrio entre a unidade do Estado e as autonomias regionais.
Aqui também o exercício de poderes recíprocos, quer por parte da República, quer por parte da Região, é essencial, de modo a que esse exercício corresponda a um respeito mútuo e a uma união de esforços dentro dos princípios constitucionais de solidariedade e reciprocidade.
A defesa da autonomia não pode ser levada a cabo pondo em oposição quem deverá estar unido nessa defesa e criando barreiras e uma dicotomia entre a República e a Região, que não tem razão de ser e que não traz benefícios a ninguém.
A República é, afinal, o todo nacional, do qual a Região é uma das suas muitas parcelas, todas representadas no órgão de soberania que é a Assembleia da República e onde todas têm os mesmos direitos.
A divisão entre centralistas e autonomistas é uma criação artificiosa que não tem correspondência com a realidade.
A autonomia é uma realidade constitucional, consagrada desde o advento da democracia e que congrega o consenso de uma maioria esmagadora dos portugueses, quer sejam açorianos, quer sejam de outra qualquer parcela do território nacional.
Fazer da autonomia uma guerra, separando os portugueses, não é um bom serviço ao país nem serve os interesses dos Açores.
O Representante da República
Estou consciente que existem sectores da vida política da Região que não se sentem confortáveis com a existência do cargo tal como ele é hoje previsto na Constituição.
Entendem que falta ao Representante da República a necessária legitimidade democrática, que constitui uma tutela desnecessária e que é uma solução que revela desconfiança ou receio sobre a autonomia. Olham, por outro lado, para o Representante da República como um “Vice-Rei” ou um enviado da “metrópole” que serve o interesse nacional definido em Lisboa e uma conceção das autonomias, anacrónica e ultrapassada.
Sublinham ainda que existe um consenso quanto à extinção do cargo.
Tenho alguma relutância em envolver-me numa discussão sobre uma matéria que constitui para mim uma causa própria, que diz respeito ao cargo que eu próprio desempenho.
Acho, por outro lado, que devo evitar assumir posições que podem ser interpretadas como estando a tomar partido num debate político, legitimamente conduzido no âmbito regional.
Permito-me, no entanto, fazer algumas observações sobre a matéria.
Primeiro, para, com o devido respeito, discordar da falta de legitimidade democrática do cargo. Ele está previsto na Constituição, aprovada por mais de dois terços de uma Assembleia Constituinte, eleita pelo povo português.
A respetiva nomeação é do Presidente da República, eleito por maioria absoluta do eleitorado.
Essa nomeação foi precedida, no meu caso pessoal, pela audição do Primeiro-Ministro e dos órgãos do governo próprio da Região.
A aplicar-se o mesmo raciocínio, levar-nos-ia a pôr em questão diversos órgãos de poder tais como o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República, etc.
Em segundo lugar, o Representante da República não exerce tutela sobre qualquer órgão de governo próprio da Região. O regime autonómico estabelece um regime parlamentar em que o Governo Regional responde perante a Assembleia Regional que essa, sim, exerce um poder tutelar. Note-se ainda que o controlo normativo do Representante da República não envolve poderes de decisão que estão cometidos ao Tribunal Constitucional.
Em terceiro lugar, não vejo como o lugar de Representante da República possa ser visto como revelando uma desconfiança em relação à autonomia. Faz parte da democracia e do sistema de pesos e contrapesos (checks and balances) que não haja concentração de poderes num só órgão de governo e que haja sempre uma fiscalização recíproca, assegurando a sujeição de todos os órgãos à lei e ao primado do Direito.
Em quarto lugar, o Representante da República tem competências próprias e independência quanto às suas decisões, não estando sujeito a orientações de Lisboa. Depende exclusivamente da confiança do Presidente da República. Representa o todo nacional do qual a Região faz parte.
Relativamente ao debate proposto há alguns anos e ainda em curso em sede parlamentar regional, julgo, e já o declarei publicamente, que considero que é sempre saudável e próprio de qualquer democracia debates de ideias com vista à adaptação das instituições à evolução dinâmica da sociedade. E é legítimo e útil que a Assembleia Legislativa o faça.
Constato, contudo, que esse debate não deu ainda frutos visíveis e que não existem propostas alternativas concretas, nem sequer esboçadas, nem no quadro regional nem nacional.
Considero, por outro lado, que o debate na Região deve ser compaginado com um debate no continente onde existe um défice de informação, análise crítica e porventura de interesse pelas questões respeitantes à Região. A cobertura na comunicação social, nomeadamente na televisão, é deficiente, os comentários são escassos e pouco independentes, na maior parte dos casos por constitucionalistas que assessoram os governos regionais e para quem elaboram pareceres numa base remunerada.
Uma palavra quanto ao consenso que por vezes se proclama antecipadamente à sua prova, mas que só depois de um debate livre e aberto a todos, poderá ser conclusivamente constatado.
Seja-me permitido, para finalizar, citar um artigo publicado no jornal do Faial “Tribuna das Ilhas”, há já algum tempo, da autoria de um açoriano dos 4 costados, residente na cidade de Angra do Heroísmo e que fez no passado mês de dezembro a bonita idade de 100 anos, o Sr. Armando Amaral.
Que Deus o conserve entre nós por muitos anos, de boa saúde.
E cito:
“Embora a minha opinião pouco conte para tão importante assunto (a extinção do cargo de Representante da República) não me tenho cansado de defender a sua manutenção, convicto que estou que a sua existência é até motivo honroso para os Açores e para a Madeira”. Fim de citação.
Perante a nobre e generosa afirmação do Senhor Armando Amaral e a honra que sente com a existência de um Representante da República, gostaria, pela minha parte, de proclamar a grande honra que sinto no desempenho das minhas funções e em estar ao serviço do nosso país e dos Açores.
Muito obrigado pela vossa atenção e estou aberto às vossas perguntas ou comentários.
Angra do Heroísmo, 19 de janeiro de 2021