GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA
PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES
SOLAR DA MADRE DE DEUS
ANGRA DO HEROÍSMO
Intervenção de Sua Excelência o Representante da República, Embaixador Pedro Catarino, na abertura da Feira do Livro integrada no "VI OUTONO VIVO" na Praia da Vitória
27-10-2011
A Lusofonia e a Diplomacia Portuguesa
Primeiro que tudo desejava agradecer ao Sr. Presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Dr. Roberto Monteiro, pelo amável e honroso convite que me dirigiu para participar na presente cerimónia e falar sobre a Lusofonia.
É com todo o gosto que o faço e permita-me Sr. Presidente que o felicite e ao Sr. Paulo Codorniz pela iniciativa e organização desta VI edição do Outono Vivo.
Congratulo-me sinceramente pela realização na Terceira do Congresso da Associação Portuguesa dos Editores e Livreiros e de mais uma Feira do Livro, bem como dos outros eventos previstos.
Permitam-me que sublinhe como é verdadeiramente notável a produção literária pelos açorianos desde há muitas gerações e o seu gosto e interesse pela cultura e o saber.
É justo e é de louvar que esse gosto seja alimentado e estimulado, sobretudo em relação às camadas jovens e que lhes sejam proporcionadas oportunidades “in loco”, aqui nos Açores, de modo a que sintam, no seu meio, na sua terra, uma atmosfera que só o contacto directo com os livros e os respectivos autores e editores consegue criar.
Todos os amantes da literatura sentem a necessidade do contacto físico com os livros que lhes dá um prazer, que faz com que esse contacto físico seja insubstituível.
É assim, acreditem-me, no meu caso pessoal.
Espero pois que a população acorra numerosa e que esta iniciativa seja um enorme sucesso e que seja seguida de outras do mesmo tipo.
Foi-me sugerido o tema da Lusofonia, que obviamente se relaciona com os eventos programados para o VI Outono Vivo.
Focarei a minha exposição sobretudo na relação da lusofonia com a diplomacia, com a diplomacia portuguesa.
Como porventura saberão, abracei a carreira diplomática já lá vão mais de 47 anos, percorri os cinco cantos do mundo e é na base da minha experiência profissional que farei algumas considerações sobre o tema que me foi proposto.
Falarei em meu nome pessoal e as minhas opiniões não exprimirão necessariamente pontos de vista oficiais. Serão pois da minha inteira responsabilidade.
Primeiro, deixem-me dizer que as relações externas de um país envolvem uma grande diversidade de factores, complexos quanto aos seus efeitos e quanto à sua compreensão.
Esses factores têm efeitos, uns imediatos, outros mediatos e dentro destes, uns a médio prazo e outros a longo prazo.
Todos têm que ser analisados e considerados numa ponderação cuidadosa e prudente.
Os erros na diplomacia pagam-se caro e muitas vezes só nos apercebemos deles muitos anos depois.
A História está cheia de tais erros.
Por alguma razão o lema dos diplomatas está ainda hoje consubstanciado numa célebre frase de Talleyrand, Ministro de Luís XVI da França, da 1ª República, do Império e da Monarquia restaurada, que sobreviveu a todas as mudanças de regime: “Et surtout pas trop de zèle” – E sobretudo evite demasiado zelo.
Por outras palavras nada de precipitações, tudo deve ser avaliado com cuidado, previamente a qualquer decisão.
Neste quadro, não devemos reduzir a politica externa a esquemas simplistas ou rígidos.
Dito isto, é útil que se procure traçar as coordenadas de carácter permanente e essencial que ajudarão à análise e compreensão dos factores em jogo e à gestão de uma diplomacia eficaz e inteligente.
É isso que farei.
As linhas fundamentais da política externa portuguesa nos últimos 25 anos – lembro que a nossa adesão às Comunidades Europeias, hoje União Europeia, data de 1 de Janeiro de 1986 – têm assentado em bases essencialmente consensuais, aceites pelos partidos que nos têm governado e aceites pela maioria da população e da opinião pública.
Os debates sobre política externa, que naturalmente têm tido lugar, como em qualquer sociedade democrática, não têm posto em causa essas bases que correspondem a opções claramente assumidas e a prioridades que enquadram e condicionam, em maior ou menor amplitude, as restantes vertentes da política externa.
Estou a falar das 3 grandes prioridades da política externa portuguesa:
- a União Europeia
- a Lusofonia
- a relação com os EUA.
Permitam-me que sublinhe com toda a clareza que a União Europeia é sem qualquer dúvida a nossa primeira prioridade.
Isto apesar do presente transe e incertezas por que atravessa (não é só aliás a UE que está a atravessar um transe), que, esperemos, seja passageiro e que venha a ser ultrapassado.
A escolha que fizémos com a adesão de Portugal às então Comunidades Europeias não foi ditada por razões estratégicas ou por interesses conjunturais ou relativos.
Foi uma opção histórica, fundamental, por um modelo de sociedade e partilha de soberania, por um projecto em construção com uma importância primordial para as nossas vidas, para o nosso quotidiano, para o nosso futuro e para o futuro dos nossos filhos e netos.
Juntámo-nos a uma família de nações com um elevado grau de desenvolvimento e democráticas, às quais tudo nos liga: a geografia, a história, a cultura, a economia, as características sociais do nosso povo, os nossos valores. Lembro que quase 80% das nossas trocas comerciais são com a UE.
A União Europeia é hoje para nós uma realidade diária e permanente, com impacto directo e abrangente em todos os aspectos e sectores da nossa sociedade e das nossas vidas. Os nossos quadros, legal e institucional, têm vindo progressivamente a alterar-se e a integrar-se num quadro comunitário em vigor em toda a UE.
A UE constitui um pólo de estabilidade, de democracia e de prosperidade que se tem expandido, alargando-se a novos membros, alguns deles após a sua libertação de regimes comunistas, totalitários e atrofiantes e a democratização das suas sociedades.
Esta abertura e o alargamento a novos membros consubstancia um novo modelo de sociedade e de relações internacionais que supera e deixa para trás os excessos e barreiras dos nacionalismos atávicos, exclusivistas e egoístas, que tantas divisões e guerras originaram.
A partir da nossa adesão à CEE, a nossa política externa, tanto na definição das nossas posições, como nos seus processos de actuação, assumiu uma nova dimensão. Dentro do princípio da diversidade na unidade mantivémos naturalmente a nossa identidade, continuando a prosseguir a defesa e promoção dos nossos interesses próprios, mas assumimos ao mesmo tempo a nossa pertença a uma nova entidade com todas as consequências daí resultantes quanto à construção de um projecto comum, à troca de informações e experiências, à coordenação e articulação das nossas políticas, à tomada de decisões comuns.
Os diplomatas portugueses tiveram que fazer um esforço considerável de adaptação à nova situação e aos novos procedimentos, o que constituiu, posso afirmá-lo, uma experiência muito interessante e estimulante.
Devo dizer, em retrospectiva, que a diplomacia portuguesa esteve à altura dos novos desafios. Trabalhou bem e depressa. As presidências de Portugal da UE – 3 até à data – foram prova disso. Foram criativas e eficazes. Deixámos bem a nossa marca.
A União Europeia e o seu desenvolvimento progressivo constitui, em minha opinião, um dos factos geopolíticos mais importantes da História contemporânea.
Não estou a assumir que não existem problemas e o que o caminho é sempre e de forma contínua ascendente. Mas estou a focar e a valorizar apenas o que é permanente e essencial, deixando em segundo plano o que é transitório e passageiro.
Sucede a mesma coisa nas famílias. Por vezes existem dificuldades, contrariedades, tragédias mesmo. Mas há uma estrela polar, que pode estar temporariamente escondida por uma nuvem, mas que continua lá, pronta a reaparecer e a indicar-nos o nosso rumo, na direcção dos nossos objectivos.
Deixem-me sublinhar também que as 3 prioridades referidas não se somam umas às outras, de forma aritmética, como parcelas separadas e independentes.
Pelo contrário, elas co-existem e complementam-se, potenciam-se e valorizam-se mutuamente.
Completam-se. Dão uma dimensão acrescida à nossa actuação na cena internacional.
A nossa participação na UE assume com efeito uma relevância especial pelo contributo que podemos oferecer dada a nossa posição junto dos países lusófonos e o conjunto de influências directas e indirectas daí resultantes. Poderíamos dar não poucos exemplos: a realização da cimeira UE-África, a parceria estratégica entre a UE e o Brasil, ambas da nossa iniciativa, etc, etc. Uma forte relação com os EUA dá-nos igualmente força e voz quer no palco da UE quer no palco da Lusofonia. O inverso também é verdadeiro.
Os diferentes vectores interpenetram-se, num permanente jogo de factores que se vão entrecruzando – todos com o seu peso e importância. Nenhum deve ser menosprezado.
Mas falemos da Lusofonia, outra das prioridades da nossa política externa. Et pour cause…
A nossa epopeia marítima iniciada no século XV, que nos levou aos 4 cantos do mundo, onde nos fomos estabelecendo e expandindo a nossa presença e a nossa acção, levou a que, cinco séculos mais tarde, uma língua inicialmente falada por menos de um milhão de pessoas e exclusivamente no nosso pequeno rectângulo, se estendesse por vários continentes, com especial incidência na América do Sul, África e Ásia.
Hoje, a língua portuguesa é a língua oficial de 8 países, alguns como o Brasil e Angola, de grande dimensão e com elevadas taxas de crescimento.
O português é ainda falado, embora numa escala reduzida, em territórios que estiveram durante várias gerações sob a nossa administração como Goa na Índia e Macau na China.
Devemos ainda contar com as comunidades portuguesas espalhadas um pouco por todo o mundo que continuam a falar a nossa língua, com concentrações importantes nos EUA, no Canadá, na África do Sul, na Venezuela, na Austrália, para só falar nalguns casos. Essas comunidades, no seu conjunto, totalizarão uns 5 milhões de pessoas. Sublinhe-se que mais de um milhão destes são descendentes de açorianos, mantendo as suas tradições e uma ligação afectiva muito forte com esta Região Autónoma.
A estas comunidades portuguesas acrescem as comunidades de emigrados brasileiros e cabo-verdianos, que são significativas e em crescimento.
Relativamente aos 8 países lusófonos temos hoje uma população de cerca de 250 milhões de pessoas, o que faz com que o português seja uma das 6 línguas mais faladas do mundo.
A soma das superfícies dos 8 países é mais de 10 milhões de Km2.
As suas zonas económicas exclusivas totalizam por seu lado cerca de 6 milhões de Km2. Só a nossa, que é a 2ª maior dos 8 países, tem 1 milhão e 700 mil km2. Ela é constituída em cerca de 2/3 pela ZEE dos Açores.
O PIB dos 8 países lusófonos, no seu conjunto, colocá-los-ia no sexto lugar mundial logo a seguir aos PIB dos EUA, China, Japão, Alemanha e França.
Sublinhe-se que os 8 países distribuem-se por 4 continentes – Europa, América, África e Ásia – e estão inseridos em múltiplas matrizes geopolíticas e culturais, que constituem teias em que desenvolvem os seus contactos e influências. Cada um destes países pertence a importantes agrupamentos regionais geoeconómicos, como, para só citar os mais importantes, a UE, o Mercosul, a União Africana e a SADC.
A língua portuguesa é pois uma língua global com uma projecção em 4 continentes e com uma notável tendência de crescimento.
Basta atentar-se na dimensão do Brasil com os seus quase 200 milhões de habitantes e com uma extensão que corresponde a 2/3 do território total da América do Sul e que é 90 vezes o tamanho de Portugal.
Também Angola, 14 vezes maior que Portugal, com recursos naturais imensos e com uma população reduzida (uma vez e meia a de Portugal) tem uma posição de grande influência na área – África Austral - em que está inserida.
A língua – denominador comum dos 8 países de que estamos falando – constitui um património comum dos mesmos e um vínculo histórico, que os aproxima e une.
Ela é o fruto de uma convivência secular e ao mesmo tempo um factor de aproximação cultural e social geradora de valores afectivos partilhados e de um forte sentido de solidariedade.
Ela é também uma referência identitária, talvez a mais importante, que cria laços de fraternidade que facilitam o entendimento e a compreensão mútuos e que nos aproxima e nos faz sentir membros de uma mesma comunidade.
É pois natural que os 8 países, inicialmente sete (uma vez que Timor Leste aderiu mais tarde), ligados pela mesma língua e pelos laços de afecto e solidariedade que ela gera, tenham decidido criar uma organização internacional – a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) para prosseguirem objectivos comuns. A edificação desta comunidade teve como pedra angular a língua portuguesa e a identidade cultural que une os seus membros.
Embora a ideia estivesse há vários anos latente foi só nos anos 90 que sob o impulso do Ministro da Cultura do Brasil, José Aparecido de Oliveira, que foi mais tarde Embaixador do seu país em Portugal, que se caminhou decididamente para a concretização do projecto.
Valerá a pena citar o Dr. Mário Soares que disse a propósito da intervenção do Brasil neste processo o seguinte: “O impulso inicial não podia deixar de partir do Brasil. Por várias razões: pelo seu peso demográfico e pelo seu imenso potencial económico; por ser uma antiga colónia que nunca chegou a ter um contencioso grave com Portugal e sobretudo porque tal projecto, vindo do Brasil, não podia ser nunca entendido, pelos nossos irmãos africanos, como escondendo uma qualquer intenção neocolonialista.”
A CPLP foi finalmente criada numa cimeira que teve lugar em Lisboa, em 17 de Julho de 1996.
Ao assinar a Declaração Constitutiva os Chefes de Estado declararam que o faziam “num acto de fidelidade à vocação e à vontade dos seus povos e no respeito pela igualdade soberana dos Estados”.
A comunidade afirmou então ter nascido para “consolidar a realidade nacional e plurinacional que confere identidade própria aos países de língua portuguesa reflectindo o relacionamento especial existente entre eles”.
É fixado como objectivo “aprofundar a progressiva afirmação internacional do conjunto de países de língua portuguesa que constituem um espaço descontínuo mas identificado pelo idioma comum”.
Na Declaração Constitutiva da CPLP os Chefes de Estado consideraram como imperativo a consolidação da realidade cultural nacional e plurinacional identitária dos nossos países, reflectindo o relacionamento especial entre eles existente e proporcionando uma concertação e cooperação profícuas; promover a afirmação dos Países de Língua Portuguesa na cena internacional; e reafirmar o compromisso de reforçar os laços de solidariedade e cooperação conjugando iniciativas para a promoção do desenvolvimento económico e social dos seus povos e para a afirmação e divulgação da língua portuguesa.
Os princípios orientadores contidos nos Estatutos determinam que a CPLP se rege pela igualdade soberana dos Estados, a não ingerência nos assuntos internos, o respeito pela Identidade nacional, a reciprocidade de tratamento, o primado da Paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da Justiça Social, o respeito pela integridade territorial, a promoção de uma cooperação mutuamente vantajosa.
A cooperação entre os membros com o objectivo de promover as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelo Direitos Humanos, completa o enunciado dos princípios.
Hoje 15 anos depois da sua criação, podemos afirmar que a CPLP se tem vindo a consolidar melhorando a sua estrutura e organização, reforçando os laços humanos e políticos e a cooperação mútua entre os seus membros, alargando as suas áreas de actuação e ganhando um peso cada vez mais relevante no seio das organizações e cena internacionais.
Algumas palavras sobre a sua presente organização
A CPLP criou com vista à prossecução dos seus objectivos e à coordenação das suas actividades e acções dos Estados nos diversos domínios uma estrutura leve e flexível que tem vindo progressivamente a ser aperfeiçoada dotando-a de maior abrangência e eficácia.
O seu órgão máximo é a Conferência dos Chefes de Estado e do Governo que se reúne ordinariamente de 2 em 2 anos. As suas decisões como a de outros órgãos deverão ser sempre tomadas por consenso.
Existem ainda o Conselho de Ministros constituído pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros que se reúne ordinariamente uma vez por ano; o Comité de Concertação Permanente, de periodicidade mensal constituído pelos representantes dos 8 países, habitualmente os embaixadores acreditados em Lisboa e o Director Geral da Política Externa português; e o Secretariado Executivo, que funciona em Lisboa e é dirigido por um Secretário Executivo, com um adjunto, assessores e um reduzido número de funcionários.
Os estatutos da CPLP prevêm ainda reuniões dos chamados Pontos Focais de Cooperação, 2 vezes por ano, bem como reuniões Ministeriais Sectoriais temáticas.
Foi ainda criada uma Assembleia Parlamentar que congrega membros dos Parlamentos dos países membros.
Refira-se que a CPLP tem como observadores associados o Senegal, a Guiné Equatorial e as Ilhas Maurícias.
Foram já apresentadas candidaturas para um estatuto idêntico por parte de Marrocos e da Ucrânia, tendo a Suazilândia, o Paraguai, o Luxemburgo, a Austrália e o Japão manifestado interesse em se associarem à CPLP.
Quanto aos objectivos gerais da CPLP eles podem sintetizar-se genericamente em 3 áreas de actuação:
- concertação político-diplomática
- cooperação técnica e económica
- promoção e difusão da língua portuguesa, designadamente através do Instituto Internacional da Língua Portuguesa
No quadro da concertação diplomática, que é o cerne da sua actividade, ela tem vindo a desenvolver e a aprofundar as suas práticas de consulta regular a todos os níveis. Já vimos que essa consulta tem lugar através das reuniões dos Chefes de Estado e dos MNEs bem como pelo Comité de Concertação Permanente.
Ela realiza-se também através das representações diplomáticas dos países da CPLP pelo mundo fora com especial relevo junto das organizações internacionais e dentro destas junto da ONU.
Eu próprio, quando fui embaixador nas NU em N. York reunia-me regularmente com os meus colegas da CPLP, mesmo antes desta ser criada formalmente. Estas reuniões eram particularmente úteis. Trocávamos informações, analisávamos as posições assumidas por outros países ou grupos de países, coordenávamos as nossas posições (que não tinham que coincidir exactamente, dentro do respeito mútuo das nossas soberanias), concertávamos estratégias ou linhas de actuação, combinávamos apoios mútuos e acções de entreajuda, nomeadamente em relação às nossas candidaturas a lugares ou postos internacionais.
Segui esta mesma prática nas embaixadas onde servi, quer em Pequim, quer em Washington D.C.
Nas NU a cooperação entre os países da CPLP tem produzido resultados apreciáveis designadamente em relação a Timor Leste em todo o processo que conduziu à sua independência e no período difícil pós independência.
Também nos casos da Guiné-Bissau e de S. Tomé e Príncipe, que atravessaram crises delicadas, a actuação da CPLP foi decisiva na busca de uma normalidade política.
A criação de um escritório de representação nas NU em Luanda e a participação com um grupo de observadores nas eleições em Moçambique foram outros dos resultados da cooperação na CPLP.
Estes são alguns dos muitos exemplos que poderia dar da actividade diplomática da CPLP, que tem hoje um peso apreciável na cena internacional, quer nas NU, quer em África, quer noutros quadrantes.
A CPLP tem actualmente o estatuto de observador na AGNU e estabeleceu protocolos e parcerias de cooperação com diversas outras organizações e com agências especializadas das NU.
Quanto à cooperação sectorial técnica e económica, ela tem vindo a estender-se a praticamente todas as áreas com centenas de reuniões dos ministros de quase todas as pastas e de outras entidades quer do sector público e governamental quer do sector privado.
É interessante salientar que esta cooperação tem vindo a envolver crescentemente a sociedade civil incluindo os jovens, as universidades e o mundo empresarial.
Em 2004 foi criado o Conselho Empresarial da CPLP e têm tido lugar uma série de fóruns empresariais com vista a fortalecer e propiciar o intercâmbio económico e empresarial, importante motor de negócios e de trocas comerciais.
Seria fastidioso estar a enumerar todas as reuniões sectoriais que se realizaram nos últimos anos.
Para vos dar uma ideia elas cobriram por exemplo a área da Justiça e do Direito, particularmente importante pelos seus efeitos estruturantes nas sociedades e pela vantagem comparativa que para nós representa o facto de os países da CPLP adoptarem a matriz do nosso Direito.
Esta cooperação envolveu reuniões de magistrados, presidentes do STJ, presidentes dos Tribunais de Contas, etc.
Na área da educação a cooperação tem sido igualmente intensa promovendo a formação de quadros, o intercâmbio juvenil, os contactos entre universidades e institutos de investigação científica, etc.
Na área da defesa a CPLP tem sido também particularmente activa e abrangente com reuniões dos Ministros, dos Chefes de Estado Maior e outras entidades dos diferentes sectores da Defesa e com a realização de frequentes seminários, exercícios militares e outros eventos. Foi criado um Secretariado Permanente para os Assuntos de Defesa da CPLP, foi assinado um Protocolo de Cooperação no Domínio da Defesa, foi estabelecido um Centro de Análises Estratégicas para Assuntos de Defesa. Estes são alguns exemplos de uma panóplia de iniciativas na área da Defesa.
Refira-se ainda pela sua importância o Plano Estratégico da Cooperação na Saúde da CPLP aprovado durante a presidência de Portugal que decorreu de 2008 a 2010.
A realçar também neste âmbito sectorial pela relevância que tem para os Açores a Estratégia da CPLP para os Oceanos aprovada no seguimento de uma reunião dos Ministros do Mar da CPLP.
Esta estratégia define para o futuro próximo um conjunto de acções concretas no sentido da racionalização das sinergias disponíveis em cada um dos países membros e da utilização dos recursos quer no contexto da vida marinha e dos espaços quer na sua exploração a favor de um benefício de todos.
Finalmente, last but not the least, a promoção e difusão da língua portuguesa constitui um dos pilares fundamentais da CPLP e a razão de ser da sua existência.
Natural pois que a CPLP lhe dedique uma atenção particular.
Como já tive oportunidade de sublinhar o português é uma língua global, a 6ª mais falada do mundo.
É um veículo de comunicação com um papel importantíssimo e com uma notável tendência de crescimento.
Julgamos pois que têm que ser exploradas todas as suas virtualidades para que seja posta ao serviço de todos e a sua utilidade seja aproveitada e acrescida.
Na última presidência portuguesa da CPLP que decorreu de 2008 a 2010 (a actual presidência da CPLP pertence a Angola) foi fixado como um dos objectivos primordiais a promoção da mundialização da língua portuguesa e a consolidação da sua projecção internacional.
Procurou-se assim dar continuidade aos esforços no sentido da adopção da língua portuguesa nos organismos internacionais.
Hoje o português é língua oficial ou de trabalho em 16 organizações internacionais e é língua de documentação em mais 16 agências, organismos e escritórios das Nações Unidas.
Em Março de 2010 realizou-se em Brasília a 1ª Conferência Internacional sobre o futuro da língua portuguesa no sistema mundial. Os trabalhos foram divididos em 2 segmentos: um técnico governamental, restrito às delegações governamentais e outro público, envolvendo representantes da sociedade civil, designadamente professores, editores, escritores, empresários, etc.
O ensino e o Acordo Ortográfico têm sido também objecto da atenção da CPLP, tendo sido adoptado um Plano de Acção para a Promoção, Difusão e Projecção da Língua Portuguesa, e tendo sido decidida a revisão dos estatutos e do regimento do Instituto Internacional da Língua Portuguesa que tem a sua sede na cidade da Praia em Cabo Verde.
A aplicação do Acordo Ortográfico à totalidade dos estados membros da CPLP ao definir uma ortografia comum (que, no limite terá um universo de aplicação de cerca de 250 milhões de pessoas, o equivalente a 3,7% da população mundial) constitui um instrumento de afirmação ao serviço da estratégia e desígnios da Língua Portuguesa, como veiculo da cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento cientifico e tecnológico.
Apenas Angola e Moçambique não ratificaram ainda o Acordo Ortográfico.
Permitam-me ainda que refira que foi instituído o dia 5 de Maio como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP.
Para concluir as minhas observações sobre a lusofonia e a CPLP, desejava sublinhar que a CPLP é ainda um projecto em construção.
Nos primeiros 10 anos da sua existência os esforços dos seus membros consagraram-se sobretudo ao lançamento e à consolidação dos alicerces políticos da CPLP.
Sucessivas reformas foram aperfeiçoando a sua estrutura e organização abrindo a CPLP à participação como observadores associados de outros estados não falantes de português mas ligados à cultura lusófona e com laços especiais aos países membros da CPLP.
A CPLP foi-se também abrindo à sociedade civil criando-se a figura de observadores consultores que inclui hoje mais de uma centena de instituições.
Podemos dizer que a CPLP é hoje uma organização consagrada e prestigiada na cena internacional e é por si um parceiro importante na diplomacia multilateral.
A CPLP constitui um fórum privilegiado de concertação política entre os estados que a constituem e um instrumento extremamente útil a esses estados na prossecução dos seus objectivos e valores não só no plano das relações internacionais mas também na promoção das suas politicas de desenvolvimento e sectoriais nos mais diversos domínios.
Ela tem facilitado reformas políticas e económicas dos seus membros contribuindo para a democratização das suas sociedades.
A CPLP tornou-se ainda num espaço de uma ampla circulação dos seus cidadãos e de interacção entre os actores da sociedade civil e entre os agentes económicos, sendo uma mais-valia e factor de competitividade e gerando vantagens comparativas de significativo relevo.
É pois natural que, como expressão da lusofonia, a CPLP deva ser considerada como uma das grandes prioridades da politica externa portuguesa, dando a esta uma força e uma capacidade de acção acrescidas bem como uma relevância especial na nossa inserção noutros espaços políticos.
Uma palavra breve sobre as nossas relações com os EUA, a terceira das nossas grandes prioridades.
Temos mantido tradicionalmente com os EUA uma relação privilegiada, forte e estável.
Pusemos, ainda durante a II Guerra Mundial, os Açores à disposição dos Países Aliados.
Portugal e os EUA são membros fundadores da NATO, organização que sob a umbrela americana assegurou no pós-guerra e durante todo o período da guerra fria, a segurança das nossas sociedades e tornou possível que a Europa construísse a sua prosperidade e desenvolvesse o projecto que hoje é a União Europeia.
Desde sempre defendemos na NATO o papel essencial dos EUA naquela aliança e no sistema colectivo de segurança da Europa e um reforço das relações transatlânticas.
Celebrámos com os EUA um acordo de cessão da Base das Lajes que tem sido sucessivamente renovado, fazendo hoje parte de um Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, que eu tive a honra de negociar.
A Base das Lajes detém uma posição estratégica de alto valor para os EUA tendo sido por diversas vezes utilizada em situações de crise de importância crítica para os EUA.
Nada exclui que novas situações de emergência não voltem a suceder no futuro.
Temos além disso uma comunidade de portugueses de luso-descendentes muito importante nos EUA de cerca de 1 milhão e 300 mil pessoas, espalhada por diversos estados com particular incidência na Califórnia e em Massachusetts.
É uma comunidade, em grande parte oriunda dos Açores, que é respeitada e apreciada pelas suas qualidades e fibra moral e que tem vindo crescentemente a ter uma participação activa na vida cívica e política norte-americana quer a nível local, quer estadual, quer federal.
Saliente-se que Portugal, com laços e interesses em países dispersos pelo mundo, tem muito a beneficiar de uma relação de forte amizade e de boa colaboração com os EUA, a maior potência do mundo actual.
Tal tem sucedido no passado em repetidas ocasiões e circunstâncias e não deixará certamente de acontecer no futuro.
E vice-versa, somos um aliado certo que tem prestado uma preciosa ajuda aos EUA sempre que essa ajuda nos tem sido solicitada, quer a nível bilateral, quer a nível multilateral em organizações como a NATO e a ONU.
A aliança entre Portugal e os EUA está assente numa relação histórica de longa data, corresponde aos interesses estratégicos dos dois países, tem sido uma constante das suas políticas externas e cimenta-se numa comunhão de valores universais por que se regem as nossas sociedades em ambos os países.
Esta relação e colaboração com os EUA constituem uma mais-valia na condução da nossa politica externa e reflecte-se na relevância que temos na nossa actuação nos quadros da UE e da CPLP, bem como noutros quadros.
São estas as considerações que gostava de partilhar convosco e terei muito gosto em responder a quaisquer perguntas que porventura me queiram fazer ou em discutir alguns dos pontos que na vossa opinião justifiquem ser debatidos.
Pedro Catarino