Voltar Página Principal
Search



GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

CONCELHO DE ESTADO

 

 

ARCOS DE VALDEVEZ

18 e 19 de Maio de 2013

 

A CHINA E O MUNDO

 

 

 Agradeço vivamente o amável convite que o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, Dr. Francisco Araújo, me dirigiu para participar nesta sessão solene.Permitam-me que comece por uma citação de Confúcio, certamente muito familiar ao nosso convidado de honra:“Ter amigos vindos de longe. Não é isto um prazer?”Embaixador Li Zhaoxing, seja bem-vindo a esta terra, tão cerca do berço de Portugal e tão ligada à fundação da nossa nacionalidade.

 Quando Portugal se formou e se tornou um país independente, há cerca de 900 anos, já a China era uma civilização florescente, com uma longa história e uma sociedade avançada.A China foi sempre para nós, portugueses, o país das maravilhas, das sedas e porcelanas, do gosto requintado, do jade, dos bronzes, da caligrafia apurada e bela.

 Um país com uma civilização milenária, com um povo industrioso, pacífico, alegre e jovial.A China foi sempre para nós um sonho, que fez o povo deste pequeno país, que é Portugal, embarcar por mar adentro e lá chegar, vencendo todos os obstáculos dum longo caminho.

 É para nós uma grande honra recebermos uma pessoa como o Embaixador Li Zhaoxing, representando a sua grande nação.Para além da sua brilhante carreira como estadista, político e diplomata, é um intelectual, um homem culto, amante das artes e das letras, com uma fina sensibilidade e com uma alma de poeta e filósofo.É com enorme prazer que o acolhemos e esperamos, sinceramente, que se sinta bem entre nós.Muito obrigado por ter feito uma tão longa viagem para estar aqui connosco.

 No que me diz respeito, é para mim um gosto muito especial voltar a vê-lo.Permita-me que o considere um velho amigo, um “lau pengyou”, como se diz em mandarim, pois já nos conhecemos há mais de 20 anos, quando acompanhou no início da década de 90 o Primeiro-Ministro Li Peng a Portugal, quando eu me ocupava então da questão de Macau.Mais tarde, fomos colegas em Nova Iorque, embaixadores ao mesmo tempo nas Nações Unidas.E durante os anos em que representei o meu país, como Embaixador em Pequim, tive o privilégio de tratar consigo na sua qualidade de Vice Ministro dos Negócios Estrangeiros, tendo assumido posteriormente a pasta de Ministro logo após a minha partida para Washington, um destino aliás que já tinha sido o seu, uns anos antes.É pois para mim um prazer e uma honra estar aqui hoje e participar nesta sessão solene.

 O Sr. Presidente da Câmara pediu-me para dizer algumas palavras sobre o tema deste “Concelho de Estado” – A China e o Mundo – pondo em destaque as relações entre os nossos dois países. É também com grande prazer que o faço. Passei 14 anos da minha carreira profissional em terras do Oriente, em Macau, Hong Kong e Pequim.

 É com base nessa experiência que vos falarei. Cheguei pela primeira vez ao Oriente em 1970, a Macau, onde estive cerca de 2 anos, até 1972.Tempos diferentes dos de hoje. O Portugal de então era outro e a China também.O auge da Revolução Cultural já tinha passado. Já se sentiam alguns sinais, com a diplomacia do ping-pong e a visita do Presidente Nixon, de um regresso a alguma normalidade institucional, interrompida para que a revolução proletária não fosse desvirtuada.A China continuava contudo fechada, virada para si, trilhando o seu próprio caminho.Foi um período complexo, de luta pelo poder, mas também de uma tentativa utópica de destruição dos valores tradicionais da cultura chinesa e de criação de uma nova sociedade baseada num novo indivíduo.Como se isso fosse possível!E com que sofrimento para a grande massa do povo chinês! A China era então um país rural, atrasado e pobre, num grau inimaginável para um ocidental. O rendimento per capita não ultrapassava os 40 dólares americanos. A produção de cereais por habitante tinha baixado para um nível inferior ao de 1957. Como estávamos longe dos tempos gloriosos da Dinastia Tang!

 Quando voltei ao Oriente, sete anos depois, em 1979, desta vez em Hong Kong, onde estive até ao final de 1982, Zhou Enlai e Mao Zedong tinham morrido, o gang dos quatro tinha sido neutralizado e Deng Xiaoping tinha emergido como líder.Uma segunda “revolução” tinha sido desencadeada, desta vez em sentido contrário.Após o longo período de quase total isolamento da Revolução Cultural, é iniciada uma política de reforma e abertura.A China embarca assim numa modernização decidida e rápida da sua economia que vai abrir o caminho e conduzir em 30 anos ao “milagre da China” e à sua emergência como potência global.

 Deng Xiaoping põe a modernização no topo das prioridades do Governo Chinês, a que junta logo a seguir a normalização das relações com os EUA e a unificação da Mãe-Pátria com a reintegração de Taiwan.Nesta linha, Deng considera que é na modernização que está a chave da transformação do país.Entende que sempre que a China se fechou sobre si mesma e se isolou do mundo se enfraqueceu e ficou vulnerável.Julgo que tinha razão. Entre os líderes chineses todos se perguntavam: “se o Japão e a Alemanha, países derrotados na última guerra mundial, tinham podido reerguer-se tão rapidamente; se a Suíça que, como o seu povo diz, só recebeu de Deus o sol e a água, podia orgulhosamente contar-se entre as nações mais desenvolvidas do mundo; porque é que a China, com todas as suas capacidades, não podia fazer o mesmo?”

 Era pois vital que a China se abrisse às nações mais desenvolvidas e retirasse as inerentes lições para o seu próprio desenvolvimento, sem que isso devesse significar subserviência ao estrangeiro, quebra de soberania nacional ou da autoridade do partido ou abandono do socialismo como doutrina do Estado.Neste sentido, começaram a ter lugar contactos e visitas de delegações chinesas a países estrangeiros.O próprio Deng desloca-se ao Japão, a Singapura e aos EUA.Em 1981 o Comité Central do PCC repudia a Revolução Cultural.

 Deng preside a uma transformação fundamental da China, da natureza da sua relação com o mundo exterior, do seu sistema de governo e da sua sociedade.São mudanças estruturais básicas, económicas, políticas e sociais, que têm gradualmente continuado nas décadas seguintes, e que, estou convencido, certamente prosseguirão no futuro.É verdadeiramente uma nova era na História da China, que quebra uma longa tradição da autossuficiência e isolamento.Durante os tempos imperiais, a China nunca foi uma potência global ou mesmo um participante ativo nos assuntos globais. Era uma potência asiática.Sob a liderança de Deng, a China junta-se verdadeiramente à comunidade internacional, procurando relações harmoniosas com os outros países numa escala global e concentrando-se no seu desenvolvimento pacífico interno.Nada melhor revela esta abertura da China ao Mundo do que o facto de, uma década após a morte de Deng Xiaoping, um número estimado de 1,4 milhões de estudantes chineses ter seguido estudos no estrangeiro e cerca de 390 mil terem já regressado ao seu país.

 A política de reforma e abertura e a modernização da China começam com o estabelecimento em 1979 de 4 zonas económicas especiais, uma das quais,em Shenzhen, junto de Hong Kong, e outra, em Zhuhai, junto de Macau.As zonas económicas especiais foram abertas ao investimento estrangeiro, à incorporação de tecnologia e equipamento e ao recurso a empréstimos estrangeiros.O lema seguido foi “fazer com que o capitalismo sirva o socialismo”.O papel dos “compatriotas” chineses do Ultramar, de Taiwan, Hong Kong e Macau foi considerado fulcral, tendo sido convidados para investir nas zonas criadas, mas sobretudo para dar conselho aos líderes chineses.Entre esses compatriotas com um papel chave na evolução da abertura da China, muitos são de Hong Kong como YK Pao, Li Ka-shing, este conhecido nos meios chineses com o nickname de super-homem, Run Run Shaw, KC Wong, mas um bom número deles são de Macau ou têm ligações ao território como Henry Fok Ying-tung, Ma Man-Kei e Kwang-pin Shao. Conheci-os a todos pessoalmente muito bem.Gu Mu, que foi Vice PM e teve um papel importante no desenvolvimento das zonas económicas especiais, dirigindo-se a estes “tycoons”, tem para eles estas palavras: “o que nós esperamos de vós não é investimento, mas sim as vossas sugestões e que cumpram as vossas obrigações para com o vosso país”.

 Hong Kong torna-se o primeiro investidor na RPC e Macau o quarto.A zona do Rio das Pérolas e praticamente toda a província de Guangdong, com os seus mais de 80 milhões de habitantes, torna-se palco de uma verdadeira “joint-venture” de proporções gigantescas, em que assistimos à deslocalização das indústrias de Hong-Kong para o interior da China e a um crescente papel de Hong Kong focado na área dos serviços.Esta onda acabaria por expandir-se a todo o país e transformar a China na segunda economia do Mundo.

 Toda esta evolução faz-se ao mesmo tempo em que se desenrolam os processos de reversão da soberania de Hong Kong e Macau para a China, segundo a fórmula “um país, dois sistemas”.Até à data, as questões de Hong Kong e Macau eram problemas históricos a serem resolvidos na altura apropriada.Na sua essência, a posição de Pequim sempre fora simplesmente manter uma perspetiva de longo prazo e fazer o melhor uso possível dos dois territórios, sobretudo de Hong-Kong, como grande porto e centro financeiro e grande porta de comunicação com o mundo exterior.

 Esta visão pragmática e utilitarista levou a China a colocar no topo dos seus objetivos estratégicos para a reversão de Hong Kong e Macau o papel dos dois territórios de apoio à modernização da China.O termo da cessão dos Novos Territórios à Grã-Bretanha, que teve lugar em 1 de Julho de 1997, acabou por ser o catalisador para a reversão de Hong Kong e Macau. Deng Xiaoping entendeu que ultrapassar a referida data constituiria uma perda inaceitável de face para a China.Este sentimento, a que os ocidentais chamariam de honra ferida, ficou bem expresso nas palavras do Vice MNE Zhang Wenjin, exprimindo o pensamento do seu líder supremo. E cito: “se não recuperássemos Hong Kong não poderíamos olhar de frente os nossos antepassados, os mil milhões de cidadãos da China, todos os seus descendentes e os povos do Terceiro Mundo.”Deng não deixou quaisquer dúvidas a este respeito ao afirmar perentoriamente à Sra. Thatcher, em Setembro de 1982, que a questão do prolongamento da administração de Hong Kong pela Grã-Bretanha era inegociável.

 Quanto a Macau, apesar de não ter a mesma carga histórica de Hong Kong, a sua solução viria por arrastamento, da da colónia britânica. Os dados estavam lançados e o curso da História delineado.

 Outro dos objetivos estratégicos que a China manteve sempre no seu espírito foi a reunificação do país e a reintegração de Taiwan.A versão inicial da fórmula “um país dois sistemas” tinha em vista Taiwan.  A sua aplicação e sucesso em relação a Hong Kong e Macau foi sempre vista por Pequim como um incentivo para uma solução da questão de Taiwan.Mas Pequim sabia que o objetivo em relação a Taiwan era bem mais difícil e teria provavelmente que esperar.O próprio Deng Xiaoping desabafou a um grupo de visitantes de Taiwan, a quem disse, e cito: “se não pudermos reunificar a China já, fá-lo-emos dentro de um século; se não for dentro de um século, será dentro de um milénio.”

 Mas se Taiwan podia esperar, a modernização da China era um objetivo estratégico urgente que tinha que ocorrer, desde logo, sem compasso de espera.Talvez, devido à sua idade Deng pensava que não havia tempo a perder.A fórmula “um país, dois sistemas” e a aceitação do segundo sistema para Hong Kong e Macau, concebida e desejada pela China, deriva da sua constatação de que a manutenção do sistema legal, social e económico bem como das liberdades fundamentais e uma larga autonomia eram essenciais para que os dois territórios mantivessem a sua estabilidade e prosperidade e pudessem continuar a providenciar o seu papel essencial de apoio à modernização da China.O limite era apenas o da soberania da China, que não poderia nunca ser posta em xeque.

 Não vou elaborar sobre as vicissitudes dos dois processos de Hong Kong e Macau.Desejo apenas referir que a Grã-Bretanha teve sempre alguma dificuldade em aceitar o “ruling da China” e o curso da História.O processo de Hong Kong experimentou assim sucessivas tensões, mais ou menos intensas, que acabaram por ser sempre ultrapassadas, com a China a avançar inexoravelmente, para o quadro que Deng Xiaoping fixara e que a China teimosa e consistentemente acabará por alcançar.

 Comparando as realidades de Macau e de Hong Kong, apesar de todas as suas semelhanças, elas apresentam marcadas diferenças: nas suas dimensões, processos históricos, tecidos sociais, estruturas económico-financeiras e vocações.Para além de todas estas diferenças, os portugueses compreenderam bem que estavam perante o curso inelutável da História e que não seria realista fazer-lhe obstáculo.Entenderam por outro lado, que satisfaríamos melhor os nossos interesses e também os da população de Macau, através de um boa cooperação e espírito de compromisso com os chineses, procurando retirar benefícios de um reforço das nossas relações com a RPC.Nas Nações Unidas, em 1971, não disputámos a asserção chinesa de que detinha a soberania de Macau.Aceitámos esse princípio, expressamente, aquando do restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, em 1979.O processo de negociação da Declaração Conjunta foi relativamente rápido, sem graves controvérsias.O período de transição, em que tive o privilégio de estar envolvido, de 1989 a 1992, como chefe da parte portuguesa do Grupo de Ligação Conjunto, decorreu, por sua vez, de forma harmoniosa, na base de uma cooperação construtiva e amigável.

 Podemos dizer que houve, em todo o processo, uma convergência de interesses estratégicos das duas partes.Portugal pôde assim cumprir a sua missão histórica, preservar a dignidade do Estado português e deixar um legado que assegurou a continuidade da prosperidade de Macau e os direitos dos seus habitantes.Hoje, Macau, 12 anos após a transferência de poderes, é um território próspero, com uma vida e autonomia próprias, com um desenvolvimento notável, que tem dado continuidade à herança recebida. O modelo económico e financeiro, baseado numa legislação local de matriz portuguesa, tem constituído uma base segura para os negócios e para a confiança dos investidores e parceiros económicos.

 A excelente colaboração e o diálogo amistoso que sempre prevaleceram em todo o processo de Macau e que permitiram à China realizar os seus objetivos estratégicos e encontrar uma solução satisfatória para uma questão considerada por ela como fundamental, ficaram a constituir uma mais-valia nas nossas relações com a China, que tem permitido um reforço das mesmas.Macau, por seu lado, continua a representar um elo importante entre Portugal e a China e uma plataforma, com vocação e potencialidades para uma cooperação frutuosa.

 Foi exatamente neste espírito que a China, sob o impulso da Sra. Wu Yi, à época Ministra do Comércio Externo e depois Vice-PM e uma mulher de grande carisma e intuição política, procurou igualmente valorizar e tirar partido de Macau, aproveitando a sua vocação histórica como ponto de encontro e ponte entre diferentes povos e países e as potencialidades do espaço lusófono.Neste sentido, foi criado o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, sediado na Região Administrativa Especial de Macau.O objetivo do fórum é promover a cooperação económica, o comércio e o investimento entre os seus membros.Tem sido usado pela China, de uma forma inteligente e pragmática, como um canal de comunicação, sobretudo com os países africanos de língua portuguesa, criando uma atmosfera de proximidade propícia à construção de relações de confiança. A iniciativa visa por outro lado dar uma especialização e uma missão própria à RAEM, contribuindo para a sua internacionalização, e dando-lhe uma utilidade acrescida, dentro dos objetivos estratégicos da China.

 Neste mesmo sentido, julgo que Macau deveria ser igualmente aproveitado para ser um centro de cultura lusófona e de ensino da língua portuguesa, numa escala regional.O ensino do português deveria ter uma dimensão mais larga do que a que tem atualmente, ser acompanhado do ensino do chinês e do inglês e ser organizado em moldes em que possa ser, do ponto de vista dos seus custos, autossustentável.Tal serviria os interesses da China, dado o carácter global da língua portuguesa, falada em 4 continentes, daria projeção a Macau na região e seria benéfico para Portugal numa perspetiva de longo prazo.

 Soa quase como um lugar-comum, dizer que Macau tem condições únicas para Portugal, dados todos os fatores que nos ligam, para ser uma plataforma de negócios utilíssima, de acesso não só a Hong Kong e à província de Guangdong, mas a outras províncias da China e outros países da região.

 Também no que diz respeito às relações diretas entre Portugal e a RPC, elas têm decorrido em elevado nível, embora no plano económico não tenha havido uma correspondência, pelo menos no mesmo ritmo e intensidade.No entanto, a China, para além de ver a oportunidade que Macau apresentava quanto à sua nova estratégia em relação à África, viu que Portugal e o seu relacionamento privilegiado com os países africanos faziam do nosso país um parceiro atrativo para a implementação da referida estratégia. Aproveitou assim a visita a Portugal em finais de 2002, que eu tive a honra de acompanhar, do Vice-Primeiro Ministro Li Lanqing, que era então membro do Comité Permanente do Politburo e Conselheiro de Estado e que tinha sido Ministro do Comércio Externo. Li Lanqing expôs nos encontros que teve em Lisboa ao mais alto nível o desejo da China de desenvolver uma colaboração tripartida em África, numa base empresarial e lucrativa não só nos países lusófonos, mas também noutros países daquele continente.Quer o estatuto do visitante, um peso pesado da política chinesa, quer a forma repetida e o nível em que concretizou a sua diligência, eram indícios da seriedade e empenho dos chineses na colaboração connosco.Estou convencido de que havia e continua a haver espaço para uma cooperação frutuosa entre empresas portuguesas e chinesas em África, que deverá ter sempre lugar num quadro de exigência recíproca. Poderíamos, através dessa colaboração, contribuir para dar uma dimensão social aos projetos chineses em África, evitando tantas das críticas de que aqueles projetos são alvo, e uma sua melhor adequação aos interesses das populações locais, sobretudo a projetos nos campos da educação, da justiça, da saúde e da própria administração.

 A China, na sua afirmação como potência global, viu bem as vantagens de uma colaboração connosco e com empresas portuguesas, valorizando o nosso bom relacionamento com os países africanos, o nosso conhecimento de África e a nossa adaptabilidade e o efeito multiplicador que uma nossa participação teria nos seus negócios.Julgo que o inverso será igualmente verdadeiro. Os chineses podem ser excelentes parceiros, com instrumentos financeiros poderosos. Podem, do seu lado, ter um efeito multiplicador nos nossos negócios, que não deveríamos desperdiçar. Os seus benefícios, estou convencido, superariam de longe os riscos. Será sempre, como agora se diz, uma situação “win-win”.

 A nossa boa relação com a China veio refletir-se também na Parceria Estratégica Global, assinada entre os dois países, aquando da visita do PM Wen Jiabao, em Dezembro de 2005. O nosso país foi o quarto país da UE a assinar um acordo deste tipo.O interesse da China por Portugal não tem esmorecido. As aquisições por companhias chinesas da parte do Estado português na EDP e na REN, empresas com um elevado grau de internacionalização, são bem sinal desse interesse, bem como o próximo estabelecimento do Banco da China em Lisboa. Mas muito há a fazer e julgo que devemos procurar uma concretização mais ampla e efetiva da ligação estratégica que temos com a China e que só temos vantagens em reforçar. Pelo nosso lado, apesar da nossa reduzida dimensão, não deixamos por isso de ter relevância significativa no campo das relações internacionais.Bem ancorados e inseridos na União Europeia, fazendo ponte com outros países e regiões, com uma ligação forte com os EUA no espaço atlântico e com relações privilegiadas com a América Latina e África e uma relação histórico-cultural com uma boa parte dos países asiáticos, o nosso “soft power” ficou bem demonstrado nas vitórias que alcançámos nos últimos anos nas eleições para o CSNU, em competição com países à partida muito mais fortes. Batemos, naquelas que são as mais importantes e disputadas eleições do sistema das Nações Unidas, em 1996, a Austrália e, em 2010, o Canadá.

 Permitam-me, a concluir, que refira os cinco anos e meio que passei em Pequim como Embaixador de Portugal, de 1997 a 2002. Durante esse período tive o privilégio de assistir às transferências de Hong Kong e Macau para a China e às celebrações que se lhes seguiram, à festa do 50º aniversário da fundação da RPC, à vitória da candidatura da China aos Jogos Olímpicos de 2008, à adesão da RPC à OMC. Tudo passos gigantescos de um grande país, caminhando decididamente na sua ascensão para se afirmar como uma grande potência económica, política e cultural à escala mundial.

 Mas não tenhamos dúvidas. Esta ascensão vertiginosa da China e a sua afirmação como potência global é, antes de mais e sobretudo, fruto da cultura chinesa e das qualidades do povo chinês.Devemos procurar na longa história da China, na sua brilhante civilização e nas qualidades de um povo industrioso, inteligente e criativo, as razões do sucesso do presente.Quem desconheça isso não consegue perceber a transformação da China e o que ela é hoje e poderá ser no futuro.Quem queira lidar com os chineses terá que estudar a cultura e a história da China, conhecer a sua literatura, aprender a apreciar a sua arte. Terá que ler os autores chineses e tentar perceber a alma e a mentalidade dos chineses. Deverá, por outro lado, olhar para a realidade da China sem preconceitos ou ideias preconcebidas, nem aplicação de modelos externos.A China é uma realidade complexa. Tem que ser observada com demora e atenção. Temos que dar tempo ao tempo e refletir, antes de formular qualquer julgamento ou opinião.

 A finalizar, desejaria referir a recente vinda a Lisboa de 3 navios da Marinha Chinesa, após uma missão no Índico para combater a pirataria Somali.É um facto cheio de simbolismo e estamos gratos à China por ter escolhido Portugal como escala de uma viagem que abarcou o Mundo inteiro e que tem lugar 500 anos, depois de os navegadores portugueses terem feito, em sentido inverso, uma viagem semelhante.Esta viagem da Marinha Chinesa a Portugal vem selar uma amizade bem enraizada entre os nossos dois povos, baseada no respeito e admiração recíprocos, amizade essa, que é também bem atestada por esta homenagem ao Embaixador Li Zhaoxing e pela sua presença hoje aqui.

 

Pedro Catarino