Alocução do Representante da República por ocasião do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas
10 de junho de 2022
Excelentíssimas autoridades civis, militares e eclesiásticas
Começo por dirigir a todos, açorianas e açorianos, uma respeitosa saudação muito cordial e fraterna.
Uma saudação também aos órgãos de governo próprio regionais aqui presentes ou representados. Permitam-me que destaque a presença do Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, Eng.º Luis Garcia e do Senhor Presidente do Governo Regional, Dr. José Manuel Bolieiro.
Desejaria ainda reconhecer a presença da representação da comunidade ucraniana na Ilha Terceira, convidada para esta cerimónia.
Agradeço a participação de todos que muito me honra.
Caros compatriotas
O mundo mudou. A Federação Russa, potência nuclear, invadiu no dia 24 de fevereiro, sem qualquer provocação, um outro estado soberano, a Ucrânia, com o pretexto de este último não ter razão para existir e constituir para si uma ameaça.
Uma agressão bárbara e desumana, que está a encontrar da parte do povo ucraniano uma resistência extraordinária, corajosa e patriótica.
Quem imaginaria que cidadãos pudessem, hoje, nos nossos dias, no coração da Europa, sacrificar as suas vidas pela defesa da sua liberdade e independência?
É o que está a suceder hoje na Ucrânia e que amanhã nos pode suceder a nós se formos complacentes e contemporizadores.
A defesa da Ucrânia representa muito mais do que a sua própria sobrevivência. Representa a nossa própria defesa e segurança, a defesa do espaço de liberdade e democracia em que nós próprios vivemos e em que queremos continuar a viver.
São os valores da democracia e do estado de direito, é o modelo económico, é a visão do mundo, baseado num sistema global multilateral, que paulatinamente temos vindo a construir, que estão ameaçados e postos em causa.
É o projeto europeu, de uma União Europeia da qual fazemos parte, generosa, aberta, democrática, livre, espaço de paz, justiça e prosperidade para todos.
É também o sistema de segurança coletiva que nos protege, baseado numa aliança defensiva, a NATO, que, sob a umbrela dos Estados Unidos, assegura a independência e integridade dos seus membros e estabelece uma dissuasão contra qualquer agressão externa. Portugal - e em particular os Açores e a Base das Lajes – constitui uma peça importante da arquitetura de segurança da NATO.
Foi esta aliança e a proteção americana, que assegurou até à queda do muro de Berlim e ao colapso da União Soviética, a segurança dos países europeus, que assim puderam dedicar os seus recursos, com a ajuda do plano Marshall, à construção do que é atualmente a União Europeia e o seu sistema de desenvolvimento económico e social.
Esta é a realidade simples, não passível de negação ou contestação.
Sem disparar um tiro, sem ameaçar quem quer que fosse, sem qualquer intervenção armada, mesmo em situações que porventura a justificariam, como foram as intervenções soviéticas em 1956, na Hungria e em 1968, na Checoslováquia.
Foi a força da liberdade e o sonho de um mundo melhor que levou à queda do muro de Berlim, ao colapso da União Soviética, à recusa do estalinismo e à libertação de estados que viviam sob a opressão soviética.
São os valores referidos, que fazem parte do nosso ADN e da nossa identidade e sobre os quais desejamos construir o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos, que estão a ser contestados por um regime ditatorial, imperialista e revanchista.
E neste dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas devem ser reafirmados com todo o vigor.
Sim, são os nossos valores, dos quais não abdicamos.
E estamos gratos aos ucranianos por estarem a defendê-los numa primeira linha contra a tirania e o abuso do poder.
Por isso devemos, com os nossos aliados, dar todo o nosso apoio à luta heroica que estão a travar e oferecer toda a nossa solidariedade para com o povo ucraniano, para aqueles que permaneceram e sofrem as agruras da guerra, para com os milhões de refugiados – alguns dos quais acolhidos em Portugal – mas também para a comunidade ucraniana nos Açores, uma comunidade que aqui se afirmou pelo seu mérito e valor e que agora vê com angústia o seu país natal ser destruído e as suas famílias ameaçadas.
Procedendo assim, estamos a defender os nossos valores fundamentais e os nossos interesses básicos.
Caras açorianas e açorianos
Temos a felicidade de viver em paz, num estado democrático, como cidadãos livres, em que a nossa voz é ouvida e respeitada. Vivemos confiantes, mas não totalmente seguros, como, docemente embalados, julgávamos nós ser o caso.
A liberdade, uma vez conquistada, tem de ser garantida e defendida. A liberdade tem um preço, implica sacrifícios. Não pode ser assumida como certa e adquirida.
Para isso, temos de estar unidos na afirmação dos nossos valores e preparados para nos sacrificar para que nos possamos dotar, juntamente com os nossos aliados, dos meios necessários à garantia da nossa segurança, contra possíveis agressores, em defesa de um mundo livre.
A liberdade tem que dispor de meios de defesa, capazes de neutralizar os meios à disposição da tirania e capazes de infligir graves e dolorosos danos e a derrota a eventuais agressores, sob pena do Direito Internacional proclamado pela carta das Nações Unidas não passar de uma realidade vã e estéril e o espectro da guerra e da servidão ser uma espada de Dâmocles, pairando sobre as nossas cabeças.
Caras açorianas e açorianos,
É tradição que neste dia sejam impostas pelo Representante da República, em nome do Senhor Presidente da República, as insígnias das condecorações outorgadas a cidadãos e instituições açorianas que se notabilizaram pelas suas atividades, públicas ou privadas, honrando os Açores e Portugal.
Este ano serão agraciados o Serviço Regional de Saúde, pelo seu notável desempenho face à pandemia da COVID-19, a Santa Casa da Misericórdia da Horta, que perfaz este ano 500 anos de existência e dois distintos médicos, o Dr. Francisco Pacheco Rêgo Costa, residente em S. Miguel e o Dr. Luís António Vieira Brito de Azevedo, residente na Terceira.
Com estas distinções, o Senhor Presidente da República pretendeu decerto pôr em relevo o que, no plano social e da saúde, tem sido feito face à pandemia da COVID-19 e aos muitos desafios postos à sociedade açoriana para preservar a coesão e tranquilidade social e um normal funcionamento das instituições e da sociedade em geral.
A todos os agraciados exprimo as minhas felicitações e o meu muito obrigado. As insígnias serão entregues ainda hoje numa cerimónia no Solar da Madre de Deus.
Permitam-me ainda que nesta ocasião preste homenagem às Forças Armadas e ao papel que desempenham em prol da unidade e coesão nacional e da proteção e segurança dos Açores e dos açorianos. A sua importante contribuição em relação à luta contra a pandemia da COVID-19 merece o nosso reconhecimento bem como o seu papel na prevenção com respeito a situações relacionadas com fenómenos da natureza, como está a ser o caso na Ilha de S. Jorge. No campo da saúde, a sua intervenção é absolutamente chave no salvamento de vidas, com frequentes operações de evacuação e resgate de doentes e acidentados.
Uma palavra também de agradecimento aos Magistrados e Funcionários Judiciais, às Forças de Segurança, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Polícia Judiciária, Serviços de Finanças, Autoridades Aduaneiras, Serviços de Informação, e demais serviços da República na Região que aqui desempenham um trabalho notável do qual muito depende a qualidade de vida dos cidadãos.
Os meus pensamentos e as minhas preces vão para os habitantes da Ilha de São Jorge, que viveram no passado recente momentos de incerteza devido à atividade sísmica e possibilidade de uma erupção que felizmente tem vindo a desvanecer-se.
Agradeço ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, a sua disponibilidade para o apoio logístico desta cerimónia e toda a sua amável cooperação. Um agradecimento também à Filarmónica Recreio de Santa Bárbara.
Exprimo a todos, açorianas e açorianos, aqui, na Madeira, no Continente e na Diáspora, os meus sinceros votos que o futuro vos reserve as maiores felicidades e prosperidades.
Antes de terminar permitam-me que reafirme muito enfaticamente que cidadãos livres não são necessariamente aqueles que vivem em paz, com pão, casa e cuidados de saúde e de educação. Cidadãos livres exigem mais, exigem que lhes seja reconhecido o direito de escolha do quadro político em que desejam viver, que lhes seja reconhecida a liberdade de expressão, a liberdade de discordarem com os governantes, de elegerem quem muito bem entendam, de desenvolverem as atividades privadas da sua escolha e de não aceitarem o jugo de ditaduras sem legitimidade democrática.
Termino finalmente com uma citação de Ciprião de Figueiredo, que se tornou a divisa dos Açores: “antes morrer livres que em paz sujeitos”.
Obrigado
Pedro Catarino
Angra do Heroísmo, 10 de junho de 2022