Voltar Página Principal
Search

GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO


Entrevista concedida ao Jornal "Expresso das Nove", em 9 de Setembro de 2011


 

1 – Enquanto Representante da República para a Região Autónoma dos Açores (RAA) quais serão as suas principais preocupações e prioridades?

 

Como Representante da República para a Região Autónoma dos Açores a minha principal prioridade é desempenhar com isenção e rigor as minhas responsabilidades dentro das competências do meu cargo tal como definidas pela Constituição e em consonância com o  Estatuto Político-Administrativo.

Como é sabido essas competências, desde a revisão constitucional de 2004, estão sobretudo focadas na fiscalização da constitucionalidade e da legalidade dos diplomas legislativos e regulamentares emanados da Assembleia Legislativa e do Governo Regional.

Tenho ainda outras competências particularmente relevantes quanto à nomeação do Presidente do Governo Regional e respectivos Secretários Regionais, que deverei exercer por ocasião das eleições legislativas regionais, no quadro da Lei.

Para além  destas competências e de outras especificadas pela Lei que me são cometidas, desempenho uma função  de representação da República. Essa representação, que simboliza a unidade nacional e a solidariedade entre os portugueses e a que atribuo a mais alta importância, é consubstanciada, quer através da participação em actos públicos, quer através do exemplo da minha conduta e sempre que usar da palavra.

Aqui está em poucas palavras a minha agenda. Simples, cristalina e transparente. Não tenho, nem terei outra.

 

2 - Como procurará desenvolver a sua relação com os órgãos próprios do Governo dos Açores?

 

- Procurarei conduzir as minhas relações com os órgãos  de governo próprio dos Açores dentro do respeito mútuo que deve presidir a tais relações e num espírito de diálogo construtivo, diálogo esse que deve ser efectivo, franco e aberto.

Pela minha parte procurarei oferecer a minha cooperação e prestigiar através das minhas acções e palavras os referidos órgãos  e esperarei da parte dos mesmos uma atitude recíproca.

 

3 – Como procurará desenvolver a sua relação com os Açorianos?

 

- A minha missão é uma missão de serviço público. Nesse sentido e nesse espírito estarei ao serviço dos açorianos que estão no centro das minhas preocupações.

Julgo que os açorianos esperarão de mim, acima de tudo, que cumpra rigorosamente a Constituição e a Lei e que desempenhe as minhas funções com dignidade e elevação.

Espero pelo meu lado conhecê-los melhor e com eles pensar sobre os seus problemas e pontos de vista.

Não farei discriminações nem assumirei partidos.

A porta do meu gabinete estará sempre aberta para todos, sem excepção, e eu estarei sempre disponível para ouvir e ajudar.

Procurarei por outro lado conhecer todas as Ilhas e respectivos problemas. Devo dizer que sou um ávido leitor dos escritores ilhéus que admiro enormemente e que, do meu ponto de vista, são uma expressão bem reveladora da alma do povo açoriano.

 

4 – A última revisão do Estatuto Político-Administrativo da RAA consagrou uma série de novas competências para o Arquipélago. Acha que é possível ir mais longe, ou pelo contrário, é altura para ver do real impacto dessas novas competências?

 

- A autonomia dos Açores é fruto da sua identidade histórico-cultural e representa um esforço sincero de descentralização político-administrativa através da assunção pelos açorianos das suas próprias responsabilidades. Tem constituído uma força motriz de desenvolvimento e trazido aos açorianos confiança no seu futuro e em si mesmos.

Quanto ao mais, é preciso não esquecer que a revisão constitucional de 2004 introduziu mudanças muito profundas em matéria de regiões autónomas e que, só em 2009, ficou concluída a terceira revisão do Estatuto Político Administrativo que veio dar seguimento e concretizar essas mudanças. Há pouco mais de dois anos, portanto. É muito pouco tempo para fazer uma avaliação ponderada e completa sobre as soluções legislativas aí consagradas. Ainda nem sequer houve ocasião para que algumas das normas novas fossem aplicadas na prática. Falta também publicar alguns diplomas legislativos – nacionais e regionais – cuja elaboração está prevista em diversos preceitos do Estatuto.

De qualquer forma, é verdade que já passaram mais de cinco anos sobre a última revisão da Constituição e, por isso, em qualquer momento pode ser aberto um novo processo constituinte. Se tal ocorrer, e se a Assembleia da República decidir soberanamente aprofundar de novo a autonomia, pode colocar-se a questão de uma quarta reforma do Estatuto. Mas creio que a estabilidade do quadro constitucional e legal é um valor muito importante e que não deve nunca ser esquecido.

Na minha qualidade de Representante da República acompanharei, naturalmente, com todo o cuidado quaisquer desenvolvimentos que venham a ocorrer nesse domínio.

 

5 – Acha que a unidade do Estado e a Autonomia Político-Administrativa dos Açores são princípios coexistentes ou considera, como por diversas vezes afirmaram alguns políticos açorianos, que o primeiro é um entrave ao segundo?

 

- A autonomia dos Açores está consagrada na Constituição e especificada no Estatuto Político-Administrativo da Região.

Ela integra-se e está bem consolidada no quadro do regime democrático português.

Unidade do Estado e autonomia da Região coexistem e são perfeitamente conciliáveis.

Mais do que isso: baseiam-se em princípios que não são questionados e que são, em ambos os níveis, geradores de estabilidade e confiança, mobilizadores de energias e congregadores de esforços comuns e solidários.

Unidade do Estado e Autonomia da Região, em minha opinião, reforçam-se mutuamente, dando ao mesmo tempo força quer ao todo que é Portugal, quer à parte que são os Açores.

Quanto à concretização dos princípios e à sua conciliação no plano dos factos ela exigirá sempre por parte das instituições e dos órgãos políticos da nação, quer a nível nacional, quer regional, uma boa compreensão das balizas estabelecidas pelo quadro constitucional vigente, bem como das exigências das situações concretas e que além disso exista um espírito de diálogo e cooperação que permita uma harmonização correcta, justa e equitativa de todos os factores em jogo.

Julgo que não tem havido entraves resultantes da unidade do Estado, e que a autonomia da Região tem tido um curso natural dentro dos parâmetros constitucionais.

Uma opinião contrária terá que ser sustentada com casos concretos que terão que ser analisados com objectividade.

 

6 – Concorda com alguns políticos açorianos que defendem  [ que existe] uma atitude centralista por parte da República face à Região Autónoma dos Açores?

 

- Uma atitude centralista por parte dos órgãos da República estaria desfasada no tempo e em contradição com o que está consagrado na Constituição. A autonomia serve os interesses de todos e deverá ser potenciada de forma natural. Ela corresponde aos anseios legítimos da população dos Açores, é aceite e reconhecida por todos.

 Creio que hoje não teriam justificação quaisquer excessos emotivos em ataque ou em defesa da autonomia.

 

7 – Em diversos momentos políticos foi colocada em causa a necessidade de um Representante da República para a RAA. Que opinião tem sobre esta matéria?

 

- Naturalmente, entendo não apenas que o cargo em que fui investido é necessário, como estou também de acordo com a sua caracterização constitucional.

A Constituição atribui ao Representante da República um conjunto de competências específicas que, numa democracia e num estado de direito, têm impreterivelmente de existir e ser desempenhadas por uma entidade independente e exterior ao sistema de órgãos de governo próprio. O facto de essa entidade ter sede no território da Região – e não no Continente – é, do meu ponto de vista, uma mais-valia importante, se não mesmo uma exigência do princípio autonómico.

Isto não quer dizer que adopte uma posição dogmática e que não esteja aberto a ouvir ideias alternativas e a ponderar argumentos contrários, sobretudo quando resultarem de um estudo aprofundado destas questões.

De qualquer forma, este é um assunto que cai na competência exclusiva da Assembleia da República, e não me cabe a mim desencadear qualquer debate público sobre a matéria.

 

8 – Considerando o seu percurso e experiência profissional, qual a actual importância geoestratégica dos Açores?

 

- No decurso da minha vida profissional trabalhei 12 anos na NATO quer numa capacidade nacional, quer internacional. Servi durante 9 anos nos Estados Unidos, nomeadamente  4 anos e meio como embaixador em Washington. Fui negociador chefe pela parte portuguesa da revisão do Acordo das Lajes e da sua integração num acordo de cooperação e defesa entre Portugal e os EUA.

Em todas estas situações nunca me foi dado perceber que a Base das Lajes fosse considerada pelos americanos como supérflua ou dispensável.

Pelo contrário a sua importância nunca foi posta em causa.

O que se verificou foi que por razões de diversa ordem se entendeu que não era necessária uma guarnição tão numerosa como em tempos passados. As restrições financeiras e os avanços tecnológicos ditaram pois reduções sucessivas no pessoal da base.

Mas a sua importância estratégica permaneceu inalterada, perceptível sobretudo em situações de crise que têm efectivamente acontecido no passado de forma recorrente e que poderão voltar a acontecer em qualquer momento.

Note-se que a Base das Lajes tem os segundos maiores reservatórios de “fuel” a nível mundial fora do continente norte-americano logo a seguir a GUAM no Pacífico.

A Base das Lajes e o Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA constituem um elo fortíssimo que reforça e solidifica uma aliança entre os dois países que se tem mantido firme e inalterada.

Portugal precisa de ter uma relação forte com os EUA, primeira potência mundial com uma projecção e interesses globais e uma referência no sector das liberdades e direitos fundamentais.

País relativamente pequeno e sem significativos recursos, Portugal, por razões históricas e geográficas, construiu através dos séculos uma teia de relações com países dos cinco continentes. Estas relações, sobretudo com os países onde se fala a língua portuguesa, são particularmente importantes no contexto da nossa política externa.

Para desenvolvermos as potencialidades inerentes a estas relações, que são multiformes e que se entrecruzam, mais do que possamos imaginar, não é irrelevante para nós que tenhamos ou não do nosso lado laços fortes com o gigante americano. Esses laços dão-nos uma força e relevância que não teríamos de outra forma. E isto é verdade não só quanto aos países lusófonos e outros numa escala global, mas também no âmbito da própria União Europeia, onde temos sido e somos ardentes defensores de uma relação transatlântica privilegiada e forte.

Por outro lado, aos EUA convém ter como aliado um país com as características de Portugal, com uma enorme capacidade de relacionamento com uma multitude de países (atente-se à nossa  eleição para o Conselho de Segurança das Nações Unidas em 1996 em detrimento da Austrália e  em 2010 em detrimento do Canadá) e com as posições geográficas detidas, quer e sobretudo pelos Açores no meio do Atlântico Norte, quer pelo território continental à boca do Mediterrâneo e a dois passos do Norte de África.

Por estas razões que poderiam ser desenvolvidas extensamente e pelo facto de comungarmos, Portugal e os EUA, dos mesmos valores universais em que assentam as nossas sociedades, os dois países construíram uma relação bilateral de estreita e robusta aliança, inserida numa aliança mais lata e de carácter multilateral, a NATO, de que ambos os países são membros fundadores.

A aliança com os EUA é reforçada ainda pelas importantes comunidades de portugueses naquele país em que se destacam os aglomerados de Açorianos e seus descendentes sobretudo na Califórnia, Massachussets e Rhode Island, que criam uma comunhão de interesses e uma relação de afectividade e simpatia, que é especialmente marcada no que respeita aos Açores.

Devo referir também que a crescente importância do mar posta em relevo pelas novas tecnologias e a possibilidade de virmos a estender a nossa plataforma continental com todas as consequências daí resultantes, vem acentuar ainda mais o papel e importância dos Açores.