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O PAPEL DA UNIVERSIDADE, COMO SUPORTE E FORÇA MOTRIZ DA AUTONOMIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

 

 

Magnífica Reitora

 

Permita-me, antes de mais, que a felicite e, através da sua pessoa, todo o corpo docente, discente, investigadores e funcionários da Universidade, por mais este aniversário.

Permita-me ainda que destaque a sua liderança e o notável trabalho que tem vindo a realizar.

Tenho muito gosto, nesta sessão comemorativa dos 48 anos da Universidade dos Açores, de fazer umas breves reflexões sobre o papel da Universidade, como suporte e força motriz da Autonomia da Região Autónoma dos Açores.

Correndo o risco de dizer uma série de platitudes e lugares comuns, gostaria que as minhas reflexões não fossem meramente circunstanciais.

Permitam-me que, numa nota pessoal, refira que no ano que findou, fez 60 anos que terminei a minha licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Antes, portanto, da criação da Universidade dos Açores.

Foi o primeiro curso na nova faculdade na Cidade Universitária, acabada de construir, que abriu portas em 1958, tendo-me licenciado cinco anos depois, em 1963.

Embora fosse uma faculdade de prestígio, fundada nos primeiros anos do século XX, com instalações novas e funcionais para a época, não se respirava nem se sentia uma atmosfera de modernidade, aberta à mudança.

A sociedade era então muito diferente da atual. Só existiam no país duas faculdades de direito, a de Lisboa e a de Coimbra. Hoje existem 15 faculdades de direito em Portugal, para além de outras instituições dedicadas à criminologia e matérias congéneres.

As raparigas constituíam uma pequena minoria, não chegando talvez aos 10 por cento.  Nessa altura não tinham acesso à Magistratura, nem à Diplomacia, nem às Forças Armadas.

Hoje, têm acesso a todas as profissões e são uma maioria em praticamente todas as faculdades e desempenham um papel na economia e na sociedade, insubstituível.

A Faculdade de Direito, tal como a Universidade, caracterizava-se por um acentuado conservadorismo e por um entrincheirado corporativismo do seu corpo docente.

Era uma instituição, posso dizer, fechada, revelando um imobilismo, sintoma de um envelhecimento tendencialmente crónico.   

Diga-se de passagem, que tive excelentes professores, de elevado calibre intelectual.

Cito alguns nomes: Marcelo Caetano, Palma Carlos, Paulo Cunha, Cavaleiro Ferreira, Galvão Teles, Isabel Magalhães Colaço, Gomes da Silva.

Todos já nos deixaram. Pouco dirão os seus nomes a quem não esteja ligado ao Direito.

Mas todos eles, posso afirmar, foram eminentes juristas, conhecedores profundos das correntes jurídicas dos países mais avançados, autores de uma literatura do Direito de grande nível.

Mas incapazes de, por sua iniciativa, modernizarem a estrutura do ensino e de gerarem um impacto significativo na evolução da sociedade e de imprimirem um dinamismo de mudança e progresso.

A Universidade era uma instituição estática, em constante perigo de se tornar, cada vez mais, anacrónica, perante uma sociedade anémica e passiva. Rural e arcaica.

Hoje, vivemos numa sociedade completamente diferente, com um tecido social em permanente mutação, no plano nacional e no plano internacional.

 

O acesso à Universidade e o número de instituições universitárias foram alargados exponencialmente e a população que frequenta as universidades é 10 ou 20 vezes maior do que a que existia há 60 anos.

No ano académico de 2022/2023 foram inscritos 446.028 alunos, dos quais 204.672 do sexo masculino e 241.356 do sexo feminino.

Uma diferença abismal em relação ao meu tempo.

Os cursos sofreram alterações profundas e é hoje oferecida uma enorme diversidade de opções aos estudantes universitários, que não tem comparação com a de há 60 anos.

O número de professores, de assistentes, de doutorados é também imensamente superior e cresce todos os anos.

E o impacto das universidades na vida socioeconómica do país é igualmente imenso.

Trata-se de uma mudança radical, imposta pela evolução da sociedade, a qual, ao mesmo tempo, é influenciada e impulsionada pelo papel das universidades.

Este papel é fundamental para a construção do futuro da sociedade em que vivemos e merecedora da nossa particular atenção.

A sua contribuição para a formação dos jovens, apetrechando-os para o exercício das suas profissões é absolutamente decisiva para o grau de desenvolvimento da nossa comunidade.

Sem a transmissão de conhecimento e a formação de técnicos com as competências adequadas, as sociedades tenderiam a estiolar e a definhar-se.

É a Universidade que permite a continuidade, a renovação e uma permanente capacitação dos quadros de que necessitamos para uma gestão de qualidade dos nossos recursos e das nossas vidas.

Mas, a Universidade, permitam-me que vos diga, não pode limitar-se a ser uma mera engrenagem, um carreto ou correia de transmissão para que o conhecimento passe de uma geração para a seguinte, que tenha em vista uma simples gestão dos problemas correntes e atuais.

 

Tem de ir mais além.

Tem de se constituir como uma força motriz, permitam-me que o sublinhe, como uma força motriz, visionária, projetando-se para o futuro, como impulsionadora de um constante progresso.

É essencial que o ensino vise, como objetivo primordial, uma procura de excelência e capacidade crítica, que permita e promova a criatividade e a inovação e uma constante adaptação às novas tecnologias.

É necessária uma abertura a uma mudança permanente para a qual as nossas mentes têm que estar preparadas.

É essencial que a Universidade acompanhe as mudanças sociais e promova as condições para enfrentar os desafios, herdados do passado ou que a evolução do mundo vá fazendo surgir.

Hoje, cada vez mais, deparamo-nos com problemas transnacionais e globais, insolúveis nos meros planos, nacional e regional.

Problemas como o aquecimento global, a preservação dos oceanos, a transição energética, a regulação da economia digital, as pandemias, as migrações e a construção de uma paz justa e duradoura, carecem de um nível de decisão e cooperação internacional que só organizações como, entre outras, a UE e a ONU, podem verdadeiramente fazer a diferença.

Podemos e devemos, como recentemente salientei na minha mensagem de Ano Novo, assumir e fazer a nossa parte naquilo que estiver ao nosso alcance, ao nível regional e nacional, mas, para problemas globais, são necessárias soluções globais.

É por isso indispensável que a Universidade dos Açores seja uma instituição aberta a uma cooperação internacional e a uma permanente interação com as suas congéneres nacionais e estrangeiras.

Neste contexto, gostaria de partilhar convosco alguns desenvolvimentos que tiveram lugar no ano transato.

Em abril de 2023, foi organizada sob os auspícios da Presidência sueca da UE uma visita de trabalho aos Açores dos Embaixadores da UE em Lisboa.

 

Entre os assuntos abordados foram incluídos, a cooperação e intercâmbio nos setores da educação, cultura e ciência.

Foi uma iniciativa de muito interesse, que permitiu contactos muito úteis, a que é necessário dar continuidade aproveitando o “momentum” criado.

As relações da Universidade dos Açores com a UE e com as instituições comunitárias e dos países membros são particularmente importantes.

Em junho, no âmbito das comemorações do Dia Nacional, participaram nos eventos programados dois ilustres professores de duas das mais prestigiadas universidades dos EUA, o MIT e a Brown University, respetivamente, o Professor Ernest Moniz e o Professor Onésimo de Almeida.

Ambos membros da Diáspora açoriana nos EUA, conseguiram pelo seu próprio mérito e pelo seu esforço, alcançar posições do mais elevado nível na sociedade americana, prestigiando os Açores e Portugal.

O Professor Ernest Moniz, que foi Ministro da Energia durante a presidência de Barak Obama, foi, durante a sua visita aos Açores, agraciado com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade dos Açores, numa cerimónia académica, que teve lugar no polo da Universidade em Angra do Heroísmo, de grande elevação e significado.

Sublinho, aqui, também a importância das relações da Universidade dos Açores com a Diáspora açoriana, em particular com a dos EUA, que só pode valorizar a identidade e o prestígio da Região.

Gostaria ainda de mencionar que na semana passada, num evento organizado pelo Senhor Presidente da República em que participei, tive o ensejo de falar com o novo Representante de Portugal junto da CPLP, que tem o seu Secretariado Permanente em Lisboa, o Embaixador Almeida Lima, que até há pouco foi o nosso Embaixador no Vaticano e que antes, durante alguns anos, foi Chefe do Protocolo de Estado.

Sugeri-lhe na altura que propusesse ao Secretário Executivo da CPLP e aos seus colegas embaixadores dos países membros junto daquela organização, que considerassem a possibilidade, com o acordo naturalmente do Governo Regional, de uma visita de trabalho aos Açores que incluísse visitas aos três polos da Universidade.

 

Ficou entusiasmado com a ideia e disse-me que iria fazer contactos exploratórios sobre o assunto.

Julgo que também as relações da Universidade dos Açores com os países da CPLP são de especial interesse para a Região.

Existem quatro países, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Angola, que são arquipélagos ou países ribeirinhos do Atlântico e têm interesses comuns com os Açores.

Tudo o que possa contribuir para a aproximação e cooperação com eles deverá, segundo penso, ser promovido e encorajado.

Gostaria ainda de referir as recentes visitas da Embaixadora da Noruega e de um Representante da Islândia e da Embaixadora da Suécia, esta última que veio três vezes nos últimos meses aos Açores e que mais uma vez aqui esteve apenas há uns dias.

Os países escandinavos, que nalguns casos já participam e apoiam financeiramente alguns projetos nos Açores, são potenciais parceiros da Região em assuntos relativos à proteção do meio ambiente, preservação dos oceanos e energias renováveis que interessam sobremaneira à Região.

São países altamente desenvolvidos, têm fundos sempre à procura de projetos de interesse e têm manifestado vontade de cooperarem com instituições da Região.

Também neste caso, uma cooperação com a Universidade dos Açores é de encorajar e promover.

Não posso deixar ainda de referir a questão do financiamento da Universidade dos Açores.

É um caso muito claro em que existe uma obrigação, derivada da própria Constituição, que estabelece o princípio da solidariedade do todo nacional para com as Regiões Autónomas, de providenciar, transversalmente a todo o território nacional, os meios necessários para a sustentabilidade das instituições universitárias.

No caso dos Açores, existe um contexto que implica uma tripolaridade da Universidade, que não pode ser ignorada.

 

Daí uma obrigação inescapável, que espero seja materializada, se bem que possa e deva ser complementada com uma responsabilidade que, da mesma forma, deve ser atribuída aos órgãos de poder regional.

A finalizar gostaria de, mais uma vez, salientar o importantíssimo papel da Universidade dos Açores, para um aprofundamento, consolidação e sucesso da Autonomia da Região Autónoma dos Açores.

Muito obrigado

Pedro Catarino

Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 9 de janeiro de 2024