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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

Roteiros do Futuro

 

 

                                                              Conferência Internacional

Portugal na Balança da Europa e do Mundo

Lisboa, Fundação Champalimaud

12 de Abril de 2013

Rota do Oriente

 

É para mim uma honra ter sido convidado para intervir nesta iniciativa dos Roteiros do Futuro.É igualmente para mim uma honra muito especial integrar um painel presidido pelo Senhor General Rocha Vieira, com quem tive o privilégio de colaborar durante o período dos últimos anos da governação portuguesa de Macau que precederam a transferência daquele território para a China, e que tão decisivos foram para o que é hoje a Região Administrativa Especial de Macau e para as nossas presentes relações com a República Popular da China.Permitam-me ainda que saúde o Professor Ming Chan, eminente “scholar” e investigador, com quem tenho o enorme prazer de partilhar este painel. Ele acabou de nos dar uma perspectiva chinesa do passado histórico de Portugal na Ásia.O que é interessante é que as conclusões a que eu chego coincidem fundamentalmente com as conclusões do Professor Ming.

No meu caso, falarei com base na minha experiência diplomática de catorze anos de contactos com o Oriente, em Macau, Hong Kong e Pequim.Procurarei, nalgumas reflexões, dar uma visão prática da realidade, pondo em destaque aspetos genéricos mas essenciais que me parecem relevantes para a política externa de Portugal no Oriente, relacionados com fatores históricos, capacidades do país e virtudes do povo português, bem como com o nosso posicionamento no mundo de hoje.

No momento presente, parece-me, e julgo que ninguém disputará isso, que o objetivo principal do nosso país deve ser superar a crise económico-financeira e que devemos mobilizar tudo e todos para esse fim.É no sector económico que a nossa diplomacia deve focar os seus esforços, sem esquecer contudo que uma política externa não se pode compartimentar num sector, nem a promoção da economia se esgota nas atividades estritamente económicas, tendo em conta o papel cada vez mais importante das interações culturais. Todos os sectores estão interligados influenciando-se mutuamente. As questões políticas, culturais e sociais como a segurança internacional, a defesa do ambiente, a promoção da língua e do património cultural, a problemática do mar, os direitos humanos, para só citar algumas áreas, devem naturalmente continuar a manter a sua centralidade na nossa agenda. 

Por outro lado, muito terá que ser feito no plano interno.Devemos ter sempre em mente que a diplomacia vale o que valer o país, com o seu substrato social, com o seu peso histórico, nível cultural e científico, desenvolvimento económico, com a força das suas instituições, com a sua coesão.Nas relações económicas externas muito está dependente ainda da competitividade da nossa economia, da qualidade e ousadia dos nossos empresários, e de outros fatores de ordem interna.

A estagnação das economias dos EUA e da Europa, nossos mercados tradicionais, torna imperiosa a necessidade de abrirmos novos mercados e reforçarmos a nossa abertura ao mundo e as nossas relações pluricontinentais como um dos vetores essenciais da nossa política externa e ação diplomática, em que devemos privilegiar não só os países da nossa vizinhança, como os do Magrebe, mas também aqueles onde temos importantes comunidades de emigrantes, como a Venezuela e a África do Sul e aqueles a que nos ligam laços históricos especiais e aqui tem um lugar especial a Ásia.

A força da História e das interações dos povos, geração após geração, deixam marcas profundas, em extratos sucessivos, à medida que se vão sedimentando no tempo.Portugal iniciou as suas navegações no começo do século XV, muito antes de qualquer outro país em escala semelhante.Desenvolvemos os nossos conhecimentos na cartografia, na arte de navegação, na construção naval, áreas em que atingimos o “ state-of-the-art”, que nos colocou na vanguarda do mundo.Colhemos informações sobre povos e países distantes, enviámos agentes pelo mundo, preparámos pessoal para as nossas expedições.Em sucessivas levas fomos abordando novas terras, onde fomos estabelecendo entrepostos e desenvolvendo relações com os povos locais.Sendo um pequeno país, então com pouco mais de um milhão de habitantes, privilegiámos o comércio, a que juntámos também, dentro do espírito da época uma missão de evangelização.Começámos pela África, abrindo os oceanos, na altura desconhecidos e temidos por todos.Chegámos à Índia, nosso objetivo estratégico primordial, que assentava no comércio das especiarias por via marítima, muito mais barata e segura do que a via terrestre até então usada.Prosseguimos para o Oriente, para Malaca, seguindo-se a China, o Japão, as Molucas, Timor e tantos outros lugares e países, ao mesmo tempo que navegámos para Ocidente, para o Brasil.

É este passado histórico, embora muitas vezes longínquo, é esta atividade de viajantes e comerciantes dos nossos antepassados e que está no nosso código genético, que temos que fazer renascer nos dias de hoje numa escala global.Mas volto a salientar, no mundo de hoje não é a História por si só que garante a relevância dos países. O que a História pode é potenciar a relevância assegurada pelo indispensável desenvolvimento económico, social, científico e tecnológico. Este é o desafio do presente e dele devemos estar bem conscientes.

No continente asiático a nossa presença histórica teve características muito especificas dado o grau de desenvolvimento cultural e civilizacional dos povos com quem interagimos.Na rota que levou os portugueses ao Oriente, poucos países houve onde não tivéssemos aportado e estabelecido relações, muitas vezes profundas e prolongadas e onde não tivéssemos deixado vestígios da nossa passagem: na língua, na arquitetura, na toponímia das cidades. Índia, Sri Lanka, Tailândia, China, Indonésia, Japão, são apenas alguns dos muitos países da Ásia com que tivemos um longo relacionamento histórico.O comércio, como disse, foi sempre o nosso objetivo principal. Atuámos sempre como intermediários, como “middle men”, como ponte entre países e povos. Promovemos o comércio transcontinental, global, com o nosso país e a Europa mas também o comércio regional. Uma boa parte do comércio entre a India, a China e Japão era feito através dos portugueses.Nunca procurámos uma ocupação em profundidade, nem a constituição de um Império, na verdadeira aceção da palavra.Nalguns casos como Malaca, Goa, Macau e Timor assentámos arraiais, estabelecemo-nos com carácter de continuidade, misturámo-nos com as gentes locais, criámos famílias com elas, participámos nas suas vidas.Os laços de convivência com povos de diferentes culturas e civilizações deixaram no carácter dos portugueses e na sua maneira de ser uma forte marca.Todo este passado, em alguns casos com cinco séculos, persiste na memória dos povos, que nos olham ainda muitas vezes como o Portugal antigo da época das navegações.Esta relação antiga, os laços históricos, a convivência por vezes de séculos com uma tão grande diversidade de países, juntamente com o capital de conhecimentos e experiência que os portugueses adquiriram, constituem para o nosso país verdadeiras vantagens competitivas no mundo de hoje. É um capital de que devemos ter consciência e que temos, de forma inteligente, que aproveitar e potenciar.

Estes fatores explicarão em grande medida, o sucesso que Portugal teve nas duas últimas vezes que nos candidatámos ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que merece uma reflexão da nossa parte.Tivemos pela frente, quer em 1996 quer em 2010, países tão fortes como a Suécia e a Austrália e a Alemanha e o Canadá.E em ambas as vezes, naquelas que são as mais importantes e disputadas eleições nas Nações Unidas, vencemos decisivamente e fomos eleitos em detrimento da Austrália na primeira e do Canadá na segunda.Não foram dois países quaisquer, foram dois grandes países, países nossos amigos, com reputações e “records” impecáveis, com altos perfis nas Nações Unidas, com programas de cooperação em todos os continentes e em numerosos países, com redes diplomáticas altamente eficientes, integrados em sistemas de alianças de enorme amplitude e com poder e influência económica incomparavelmente superiores aos do nosso país.

Foram duas vitórias brilhantes e extraordinárias, que não terão sido apreendidas no seu pleno significado em Portugal e não geraram o entusiasmo nem o orgulho, autoestima, ou estímulo que justificariam, quer na opinião pública, quer nos media ou nos meios intelectuais dos nossos comentadores.Foram poucos os estudos feitos e boas razões haveria para que esses sucessos fossem considerados “case studies”, e escalpelizados os porquês das nossas vitórias e tiradas as consequências práticas úteis para os nossos interesses.

Algumas exceções houve, todavia, como um estudo feito pelo Dr. João Cravinho, à altura Secretário de Estado nos Negócios Estrangeiros e hoje Embaixador da UE em Nova Delhi e um dos artífices da brilhante campanha de 2010, que faz uma análise da mesma, muito bem articulada e completa, na revista “Relações Internacionais”.Ele chega à conclusão, da qual comungo, que os fatores socio-históricos e socioculturais tiveram um contributo muito significativo para as nossas vitórias, nomeadamente o universalismo do nosso carácter, a nossa capacidade de diálogo, a nossa abertura e tolerância, a nossa capacidade para o compromisso, a nossa empatia para com diferentes culturas e mentalidades, a nossa vocação para sermos uma ponte entre povos e civilizações.No fundo, tudo qualidades que o povo português foi adquirindo e desenvolvendo através de séculos de convivência com outros povos.

Outras razões tiveram, também, peso nos resultadosA qualidade da nossa diplomacia e as campanhas bem coordenadas, que conduzimos com empenhamento e tenacidade, bem como a credibilidade da nossa política externa com um posicionamento estratégico bem definido e consolidado e com uma participação criativa e equilibrada no seio das organizações internacionais a que pertencemos.Portugal apresentou-se na campanha assumidamente como país membro da UE, bem inserido nela e aberto ao mundo exterior, fazendo ponte com outros países e regiões.Apresentou-se também como defensor de uma relação transatlântica sólida entre a Europa e os EUA, reconhecendo e apoiando o papel nuclear deste último país mas mantendo o princípio da independência da nossa política externa.Apresentou-se ainda com uma relação institucional e cooperação efetiva muito fortes e abrangentes com os países lusófonos através da CPLP e dos laços bilaterais mútuos, que se estendem por quatro continentes, incluindo países tão importantes como o Brasil, Angola e Moçambique.

Falo destes vetores estruturantes da política externa portuguesa que se valorizam mutuamente e da nossa inserção nos espaços europeu, atlântico e lusófono, neste último caso com ramificações importantes na África e na América Latina, porque eles foram importantes fatores para a nossa eleição e porque eles são importantes para a perceção que os países têm ou que lhes devemos inculcar das mais-valias que Portugal lhes pode trazer, no nosso relacionamento recíproco, nomeadamente no que diz respeito à Ásia.

No grupo asiático, a análise do Dr. Cravinho assume que tivemos trinta e quatro a trinta e cinco votos, ou seja, 63% dos votos em causa. Como o voto é secreto, nunca pode haver uma certeza absoluta. Mas os números são baseados na aritmética e em indicadores plausíveis.É sem dúvida um índice positivo e uma prova de confiança no nosso país, da qual deveríamos tirar todas as consequências úteis, para nos lançarmos numa verdadeira campanha visando o reforço das nossas relações com os países da Ásia, os quais mostraram bem, através do seu voto, uma disposição positiva e de abertura em relação ao nosso país, fundada em boa parte em fatores histórico-culturais. Por outro lado podemos também retirar a lição de que quando nos empenhamos seriamente num objetivo conseguimos resultados.

Aos fatores apontados, propiciadores de uma reaproximação com os países asiáticos, juntam-se outros, inerentes à evolução das economias asiáticas e à sua expansão e integração na tendência geral para a globalização.Assistimos, com efeito, nas últimas décadas a um desenvolvimento exponencial das economias asiáticas. Logo nos anos 50 e 60, o Japão emergiu de forma vertiginosa, tornando-se num dos países do topo no plano científico e tecnológico. Através da expansão das suas exportações, a economia do Japão cresceu vinte  vezes em vinte anos, tornando-se a segunda economia mundial, depois dos EUA, posição que perdeu para a China em 2010.Nos anos 70 foi a vez dos quatro tigres asiáticos: Singapura, Hong Kong, Taiwan e Coreia do Sul, todos apostando num modelo económico virado para a exportação e especialização.E em finais de 70 foi a mudança na China com a adoção de uma política de reforma e abertura ao estrangeiro e de modernização acelerada da economia, que conduziu o país ao “milagre da China” e à sua emergência como potência global.Tailândia, Malásia, Vietnam, Indonésia, Índia, cada um destes países entrou nas décadas seguintes numa nova fase de desenvolvimento acelerado com impacto socioeconómico e político em todo o espectro das suas sociedades.São todos países com grandes populações e com grande potencial de exportação mas também de importação à medida que o nível de vida das populações se vai elevando.

A Ásia é hoje a região com maior crescimento económico do mundo e continua a progredir na sua expansão e integração na economia mundial.A média do seu crescimento foi de 7,2% em 2011, 6,9% em 2012 e prevê-se que seja de 7,3% em 2013 e as perspetivas futuras são moderadamente positivas.A parcela da economia global representada pela Ásia-Pacifico triplicou, nos últimos vinte anos, crescendo de 6% para 18%.A União Europeia é o principal destino das exportações asiáticas e é a principal fonte de investimento direto estrangeiro na região da Ásia-Pacifico. O comércio da UE com os países asiáticos da ASEM cresceu 50% nos últimos seis anos. Considerados conjuntamente os países abrangidos pela ASEM representam 2/3 da população mundial, 60% do comércio mundial e 50% da produção global.

Saliente-se que os países asiáticos têm vindo a desenvolver através de diversas organizações regionais um conjunto de iniciativas visando a liberalização do comércio e investimentos e a redução ou eliminação das tarifas aduaneiras e outras barreiras.Algumas destas iniciativas, designadamente a Parceria Trans-Pacífica (TPP), vão bem para além da criação de zonas de comércio livre e devem ser entendidas como almejando um acordo de integração económica global abrangendo a maior parte das áreas da vida económica.O interesse já declarado pelo Japão, juntando-se a um significativo número de outros países em participar nas negociações para a TPP é extremamente promissor e poderá levar aquele país a fazer significativas reformas económicas domésticas que decerto abrirão a sua economia criando novas oportunidades de acesso ao mercado japonês.Se a China vier a adotar o mesmo caminho tal constituirá mais um fator positivo para o comércio internacional.

A Ásia tornou-se hoje uma realidade incontornável, que não pode deixar de ocupar, na linha aliás da política da UE, uma posição central na nossa estratégia económica no contexto do alargamento e diversificação dos nossos mercados externos.O nosso país deverá reencontrar a sua vocação histórica de placa giratória centrada no Atlântico entre a Ásia e os outros continentes, que foi o que nos caracterizou no nosso século de oiro, o século XVI.Os nossos portos e aeroportos devem passar a estar nas rotas das pessoas e mercadorias com origem ou destino na Ásia. 

Não seremos os únicos nem porventura os mais importantes. Temos naturalmente que criar condições físicas com as infraestruturas adequadas mas também condições de organização e “management” e preços vantajosos, essenciais para sermos competitivos e batermos a concorrência.Temos que ter estruturas flexíveis e reduzir drasticamente os constrangimentos burocráticos e administrativos.Para o desenvolvimento das nossas potencialidades devemos procurar construir estratégias convergentes com os países asiáticos aproveitando a sua vitalidade e os seus próprios objetivos, valorizando aquilo que lhes podemos oferecer e concretizando parcerias reciprocamente benéficas.Ao esforço do sector público terá obviamente que juntar-se um esforço de adaptação das nossas empresas e dos nossos empresários ao mundo de hoje, altamente competitivo e globalizado.

Permitam-me que faça agora algumas reflexões acerca do papel especial de Macau e das nossas relações com a China, bem como da relevância de Timor Leste no quadro Asiático.

A política de reforma e abertura e a modernização da China começa, sob o impulso de Deng Xiaoping, em 1979, com o estabelecimento de quatro zonas económicas especiais, uma das quais em Shenzhen, junto de Hong-Kong e outra em Zhuhai, junto de Macau. Nessas zonas económicas especiais o lema seguido foi “fazer com que o capitalismo sirva o socialismo”.As zonas foram abertas ao investimento estrangeiro, à importação de tecnologia e equipamento e ao recurso a empréstimos estrangeiros.O papel dos “compatriotas” chineses do ultramar, de Taiwan, Hong-Kong e Macau foi considerado fulcral, tendo sido convidados para investir nas zonas criadas, mas sobretudo para dar conselho aos líderes chineses.

Até àquela data, as questões de Hong-Kong e Macau eram um problema histórico a ser resolvido na altura apropriada.Na sua essência, a posição de Pequim sempre fora simplesmente manter uma perspetiva de longo prazo e fazer o melhor uso possível de Hong-Kong e de Macau, sobretudo de Hong-Kong, como grande porto e centro financeiro e grande porta de comunicação com o mundo exterior. Esta visão pragmática e utilitarista levou a China a colocar no topo dos seus objetivos estratégicos para a reversão de Hong Kong e Macau o papel dos dois territórios de apoio à modernização da China.

Não vou elaborar sobre as vicissitudes dos dois processos de Hong Kong e Macau.Desejo apenas referir que a Grã-Bretanha teve sempre alguma dificuldade em aceitar o “ruling da China” e o curso da História. O processo de Hong Kong experimentou assim sucessivas tensões mais ou menos intensas, que acabaram sempre por ser ultrapassadas, com a China a avançar inexoravelmente, para o quadro que Deng Xiaoping fixara e que a China teimosa e consistentemente acabará por alcançar.

Comparando as realidades de Macau e de Hong Kong, apesar de todas as suas semelhanças, elas apresentam marcadas diferenças: nas suas dimensões, processos históricos, tecidos sociais, estruturas económico-financeiras e vocações.Para além de todas estas diferenças, os portugueses compreenderam bem que estavam perante o curso inevitável da História e que não seria realista fazer-lhe obstáculo. Entendemos, por outro lado, que satisfaríamos melhor os nossos interesses e também os da população de Macau, através de uma boa cooperação e espirito de compromisso, procurando retirar benefícios de um reforço das nossas relações com a RPC.Nas Nações Unidas em 1971, não disputámos a asserção chinesa de que detinha a soberania de Macau.Aceitámos esse princípio, expressamente, aquando do restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países em 1979.O processo de negociação da Declaração Conjunta foi relativamente rápido, sem graves controvérsias.O período de transição decorreu, por sua vez, de forma harmoniosa, na base de uma cooperação construtiva e amigável, não tendo, designadamente, sido interrompidos os trabalhos do GLC por virtude dos acontecimentos de Tiananmen.Podemos dizer que houve em todo o processo uma convergência de interesses estratégicos das duas partes.

Portugal pôde assim cumprir a sua missão histórica, preservar a dignidade do Estado português e deixar um legado que assegurou a continuidade da prosperidade de Macau e os direitos dos seus habitantes.Macau, 12 anos após a transferência de poderes, é hoje um território próspero, com uma vida e autonomia próprias, com um desenvolvimento notável que tem dado continuidade à herança recebida.O modelo económico e financeiro, baseado numa legislação local de matriz portuguesa, tem constituído uma base segura para os negócios e para a confiança dos investidores e parceiros económicos.A excelente colaboração e o diálogo amistoso que sempre prevaleceu em todo o processo de Macau e que permitiu à China realizar os seus objetivos estratégicos e encontrar uma solução satisfatória para uma questão considerada por ela como fundamental, ficaram a constituir uma mais-valia nas nossas relações com a China que tem permitido um reforço das mesmas.

Macau, por seu lado, continua a representar um elo importante entre Portugal e a China e uma plataforma com vocação e potencialidades para uma cooperação frutuosa.Foi exatamente neste espírito que a China, na mesma visão utilitarista e pragmática com que sempre olhou para o importantíssimo papel, sobretudo de Hong Kong, mas também de Macau na sua modernização, procurou igualmente valorizar e tirar partido adicional de Macau, aproveitando a sua vocação histórica como ponto de encontro e ponte entre diferentes povos e países e as potencialidades do espaço lusófono.

Foi neste espírito que foi criado o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, sediado na RAEM.O objetivo do fórum é promover a cooperação económica, o comércio e o investimento entre os seus membros. Tem sido usado pela China de uma forma inteligente e pragmática como um canal de comunicação, sobretudo com os países africanos de língua portuguesa, criando uma atmosfera de proximidade propícia à construção de relações de confiança. A iniciativa visa, por outro lado, dar uma especialização e uma missão própria à RAEM, contribuindo para a sua internacionalização e dando-lhe uma utilidade acrescida dentro dos objetivos estratégicos da China.

A nossa resposta tem sido frouxa, não tendo sido por nós dado o peso devido ao nosso papel de intermediário e de facilitador nas diversas triangulações possíveis em negócios quer em África quer na China, nem ao efeito mobilizador e a todas as potencialidades que o Fórum poderia ter num fortalecimento da nossa presença na RAEM. Essa mobilização poderia verificar-se, não só ao nível da nossa comunidade ali residente, nomeadamente na área da advocacia dos negócios, mas também ao nível da universidade e do ensino do português.Tenho defendido noutras ocasiões que o ensino do português não deveria estar exclusivamente dirigido aos filhos dos portugueses residentes em Macau, mas deveria ter uma dimensão mais larga, ser acompanhado do ensino do chinês e do inglês e ser organizado em moldes em que pudesse ser, do ponto dos seus custos, auto sustentável.Macau deveria tornar-se num centro de cultura e de ensino da língua portuguesa numa escala regional. Julgo que são matérias em que temos que fazer uma reavaliação séria dos nossos interesses e do que poderemos e deveremos fazer nos anos mais próximos.

Soa quase como um lugar-comum dizer que Macau tem condições únicas para Portugal, dados todos os fatores que nos ligam, para ser uma plataforma de negócios utilíssima, de acesso não só a Hong Kong e à província de Guangdong mas a outras províncias da China e outros países da região.

Também no que diz respeito às relações entre Portugal e a China, elas têm decorrido em elevado nível embora no plano económico não tenha havido uma correspondência, pelo menos no mesmo ritmo e intensidade.A China, para além de ver a oportunidade que Macau apresentava quanto à sua nova estratégia em relação a África, viu que Portugal e o seu relacionamento privilegiado com os países africanos faziam do nosso país um parceiro atrativo para a implementação da referida estratégia.Aproveitou assim a visita a Portugal em finais de 2002 do Vice-Primeiro Ministro Li Lanqing, que era então membro do Comité Permanente do Politburo e Conselheiro de Estado e que tinha sido Ministro do Comércio Externo. Li Lanqing propôs, de forma sistemática, nos encontros que teve em Lisboa, ao mais alto nível, o desejo da China de desenvolver uma colaboração tripartida em África numa base empresarial e lucrativa, não só nos países lusófonos, mas também noutros países daquele continente.Quer o estatuto do visitante, um peso pesado da política chinesa, quer a forma repetida e o nível em que concretizou a sua diligência eram indícios da seriedade e empenho dos chineses na colaboração connosco.Que eu saiba nada fizemos então.Curiosamente o Vice-PM Chinês veio propor o que nós tantas vezes propusemos aos americanos fazer em África – uma cooperação tripartida. Entretanto, obviamente sem nós, a China lançou-se numa ofensiva de grande envergadura em África, não só na África lusófona mas em toda a África, abrindo linhas de crédito de milhares de milhões de euros, que continua e que certamente continuará no futuro.Estou convencido de que havia e de que continua a haver espaço para uma cooperação frutuosa entre empresas portuguesas e chinesas em África, a qual deverá ter sempre lugar num quadro de exigência recíproca.Poderíamos, através dessa colaboração, dar uma dimensão social aos projetos chineses em África, evitando tantas das críticas de que aqueles projetos são alvo, e uma sua melhor adequação aos interesses das populações locais, sobretudo a projetos nos campos da educação, da justiça, da saúde e da própria administração.Obteríamos assim negócios, desempenharíamos um papel relevante e ganharíamos uma considerável “leverage” em relação a terceiros países. Reforçaríamos por outro lado a nossa política africana alargando-a a outros países para além dos PALOPS, dentro da nossa vocação e valorizando as nossas vantagens competitivas. A China, na sua afirmação como potência global, viu bem as vantagens de uma colaboração connosco e com empresas portuguesas, valorizando o nosso bom relacionamento com os países africanos, o nosso conhecimento de África e a nossa adaptabilidade e o efeito multiplicador que uma nossa participação teria nos seus negócios. Julgo que o inverso seria igualmente verdadeiro. Os chineses podem ser bons parceiros, com instrumentos financeiros poderosos. Podem, do seu lado, ter um efeito multiplicador nos nossos negócios, que não deveríamos desperdiçar. Os benefícios, estou convencido, superariam de longe os riscos.É uma matéria, julgo, que deveria ser revisitada.

A nossa boa relação com a China veio refletir-se também na Parceria Estratégica Global assinada entre os dois países aquando da visita do PM Wen Jiabao em Dezembro de 2005. O nosso país foi o quarto país da UE a assinar um acordo deste tipo.O interesse da China por Portugal não tem esmorecido. As aquisições por companhias chinesas da parte do Estado português na EDP e na REN, companhias com um elevado grau de internacionalização, são bem sinal desse interesse.Mas muito há a fazer e julgo que devemos procurar uma concretização mais ampla e efetiva no plano concreto da ligação estratégica que temos com a China e que só temos vantagens em reforçar. Por ela passa muita da nossa ação futura na Ásia Oriental onde a China tem uma posição proeminente que tenderá cada vez mais a crescer.

Desejava fazer também uma referência especial a Timor-Leste e à Indonésia. Para além da presença de cinco séculos dos portugueses em Timor-Leste, a luta que Portugal travou, por meios pacíficos, durante os vinte e cinco anos da ocupação militar pela Indonésia deixou uma marca profunda nas nossas relações com os Timorenses.Foi uma luta desinteressada, longa e árdua, muitas vezes contra a incompreensão e inércia da comunidade internacional, descrente da possibilidade de uma solução que não fosse a aceitação da integração de Timor-Leste na Indonésia.Foi um esforço contínuo e persistente não só da diplomacia portuguesa mas de todas as forças vivas do nosso país, que se uniram para manter uma pressão constante sobre a Indonésia e que permitiu à Resistência e ao povo timorense nunca ter perdido a esperança no seu futuro.Na fase final do processo que conduziu à eleição de um presidente e á estabilização da situação, os acontecimentos dramáticos que tiveram lugar, com toda a violência e destruição que ocasionaram, geraram na nação portuguesa um movimento coletivo como não há memória.Não poupámos esforços nem meios materiais para prestarmos toda a ajuda que nos foi possível ao martirizado povo timorense.De tudo isto ficou um sentimento de profundo afeto que vai perdurar, estou certo, para sempre.Timor-Leste é para nós uma nação irmã, porventura a nossa nação irmã dileta, preferida, que poderá sempre contar connosco.Tudo foi feito com total desinteresse, sem pensar um minuto em quaisquer benefícios materiais ou outros. Timor-Leste continuará a precisar da nossa ajuda num futuro previsível que permita ao país consolidar as suas instituições e vencer os muitos desafios que tem pela frente.Mas Timor-Leste tem ao mesmo tempo para Portugal uma enorme relevância estratégica, de cujo aproveitamento só poderão resultar benefícios recíprocos para os nossos dois países.

A nossa relação muito especial com Timor-Leste significa uma presença nossa numa área que, como tenho vindo a defender, tem uma elevada importância para Portugal e para a vertente económica que pretendemos incrementar.Essa relação privilegiada ajudar-nos-á a uma aproximação com os países da região, designadamente com os da ASEAN, organização de que Timor-Leste é observador e será decerto membro num futuro próximo.Os países membros da ASEAN são todos países com quem tivemos relações históricas significativas e com quem mantemos um relacionamento amigável. Mas a nossa relação de país irmão de Timor-Leste não deixará de ser uma valia que reforçará ainda mais os laços já existentes com esses países.

Isto é particularmente verdadeiro em relação à Indonésia que hoje mantém com Timor-Leste excelentes relações de estabilidade e proximidade, que se refletem no bom relacionamento que existe atualmente entre Portugal e a Indonésia.Os laços históricos entre os nossos dois países que são profundos e que sempre geraram no passado longínquo uma grande simpatia e apreço, voltaram a ser reavivados, com grande benefício mútuo. Neste momento, Portugal e a Indonésia reconhecem, julgo poder dizê-lo, que a única coisa que nos separava era a ocupação de Timor-Leste e que para além disso só tínhamos razões para nos apreciarmos e respeitarmos.A Indonésia é um grande país, que está a atravessar, depois de superada a crise económico-financeira dos finais do século passado, uma fase de crescimento notável com taxas superiores a 6%, com uma crescente procura interna, alta taxa de investimento e uma baixa inflação. É pois para nós um país a ser privilegiado no nosso esforço de alargamento de mercados e reforço da cooperação económica. 

Uma palavra ainda sobre o facto de a adesão de Timor-Leste à CPLP ter sido particularmente importante, vindo acrescentar um continente à sua dimensão já pluricontinental e alargando o universo da língua portuguesa como língua global.

Muito mais haveria a dizer sobre uma região tão vasta como a Ásia e o nosso rasto histórico na região.São poucos, como já disse, os países onde esse rasto não tenha deixado marcas.Japão, Índia e Tailândia são casos muito especiais a que eu deveria, se o tempo mo tivesse permitido, dar nesta minha comunicação, um tratamento individualizado. Mas o carácter e a profundidade dos nossos laços com aqueles 3 países não se compadecem com uma referência ligeira.

Permitam-me, para finalizar, que enfatize mais uma vez as extraordinárias potencialidades do nosso relacionamento com a Ásia.Para fazermos frutificar tais potencialidades precisamos de iniciativa, alguma ambição e um enormíssimo esforço.Temos todos os ingredientes para podermos ir mais longe e ter sucesso.Devemos para isso pensar Portugal numa perspetiva de longo prazo e com sentido do futuro, aceitando o repto dos presentes Roteiros.

Muito obrigado pela vossa atenção.

         Pedro Catarino