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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO



Discurso de Sua Excelência o Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Embaixador Pedro Catarino, por ocasião do IV Forum Açoriano Franklin D. Roosevelt


10 de Abril de 2015

 

 

 

Desejava agradecer em primeiro lugar o amável convite que a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento me endereçou para participar neste IV Fórum Açoriano Franklin Roosevelt e para vos dirigir algumas palavras nesta sessão de encerramento.

Faço-o com muito prazer e é para mim uma honra ter sido convidado.

Gostava de dirigir uma saudação muito cordial a todos os participantes e manifestar o meu apreço pela contribuição que vieram dar aos trabalhos e ao debate sobre os desafios que se colocam à Região Autónoma dos Açores, este ano com particular enfoque nas Estratégias de Desenvolvimento Sustentável.

Permitam-me que felicite a Fundação Luso-Americana por esta iniciativa que mais uma vez veio aos Açores, agora nesta maravilhosa ilha do Pico, reunir entidades da Região com outras oriundas da parcela continental do nosso país bem como dos Estados Unidos.

É essencial que a Região seja um espaço aberto às interações político-económicas, sociais e culturais que caracterizam o mundo globalizado em que vivemos e que os seus problemas sejam equacionados e integrados, não só no mundo global, mas em conjunção com os espaços americano e europeu.

Permitam-me que sublinhe como é importante ouvir o que os outros pensam de nós, sobretudo os nossos amigos com quem temos relações próximas, que nos conhecem bem e que estão interessados no nosso sucesso.

Gostaria também de deixar uma nota, que pode ser útil para futuras edições deste Fórum. É particularmente importante que sejam associadas a estas iniciativas as camadas jovens, as novas gerações, para que possam exprimir os seus pontos de vista, as suas preocupações e os seus anseios para o futuro. Temos de os ouvir e de os estimular a apresentar novas ideias e novas perceções, mais adaptadas aos dias de hoje. É na inovação e na criatividade que devemos procurar novas referências e novos impulsos para o progresso das nossas sociedades e para ultrapassar o marasmo e a estagnação em que por vezes nos sentimos.

Estou a pensar sobretudo nas organizações não-governamentais com fins não lucrativos que se ocupam da constituição e promoção de “start ups”. O contributo dessas organizações, que congregam na sua maior parte camadas jovens altamente qualificadas, pode ser muitíssimo útil e não o devemos desprezar mas antes valorizá-lo e incentivá-lo.

Por outro lado, o esforço que muito louvavelmente está a ser desenvolvido por diversos sectores da vida política açoriana relativamente à procura de soluções que aliviem o impacto negativo da redução dos efetivos da Base das Lajes na Ilha Terceira não deve, em minha opinião, ser feito em círculos fechados, mas tanto quanto possível aberto à sociedade.

Neste contexto permito-me lançar o repto de um concurso público de ideias através da RTP Açores que apele a todos para apresentarem sugestões quanto a uma revitalização das infraestruturas que vierem a ser disponibilizadas ou que possam constituir um sucedâneo para o presente status quo. Dessas sugestões seriam selecionadas as consideradas mais promissoras de forma a poderem ser objeto de um debate televisivo mobilizador das atenções da população para a problemática em jogo.

É uma ideia que aqui fica.

Gostaria ainda de realçar o significado deste IV Fórum, bem como das edições precedentes, relembrando a grande figura de estadista americano que foi Franklin Roosevelt e a sua ligação aos Açores. Nele se personifica a fortíssima relação entre os Açores e os Estados Unidos, o papel estratégico do arquipélago em prol do interesse americano através da História e a afetividade com que é olhada a grande nação norte-americana pelo povo açoriano.

O tema deste fórum, estratégias de desenvolvimento sustentável, não podia ser mais oportuno nem mais adequado, tendo em atenção a crise que temos vindo a atravessar.

As crises, com todas as dificuldades e sacrifícios que ocasionam, são também tempo para novas oportunidades, para reflexão, renovação e recriação.

Temos de aprender as lições do passado e olharmos para o futuro com a confiança que as nossas capacidades e o nosso ânimo nos devem inspirar, com a convicção e a certeza de que o futuro depende sobretudo de nós e do nosso esforço.

O desenvolvimento sustentável, objeto deste fórum, deverá assim dominar o nosso espírito e mobilizar-nos a todos, devendo ser o farol permanente e referência fundamental de qualquer governação.

O aproveitamento dos recursos naturais, o reforço das capacidades humanas e a otimização dos instrumentos tecnológicos deverão ser orientados para melhorar a qualidade de vida e o grau de bem-estar dos cidadãos e elevar o seu nível civilizacional e cultural, mantendo e solidificando a coesão social, económica e territorial.

Esse desenvolvimento deve ser promovido com sentido de responsabilidade e respeitando uma disciplina financeira que assegure uma continuidade no tempo e uma repartição equitativa de esforços e sacrifícios pelas sucessivas gerações, numa perspetiva de longo prazo.

Ele deve obedecer a uma visão integrada e abrangente da sociedade em que vivemos em que estejam incluídos os aspetos jurídico-constitucionais, políticos, financeiros, económicos, sociais e culturais, com especial relevância para a proteção do meio ambiente, a salvaguarda dos direitos fundamentais, a justiça e solidariedade sociais.

Não vou desenvolver o tema, já abordado pelos sucessivos oradores e para o qual não tenho competência especial.

Limitar-me-ei a salientar alguns aspetos que considero particularmente relevantes do meu ponto de vista e da minha sensibilidade.

Primeiro, a relação entre desenvolvimento e autonomia.

Para que esta seja uma realidade, não chega a sua consagração no plano constitucional e a sua materialização no funcionamento das instituições político-administrativas.  Ela passa igualmente pelo grau de desenvolvimento e pelas capacidades próprias da Região.

Muito se evoluiu desde a aprovação da Constituição de 1976, quer do ponto de vista institucional e legislativo, quer do ponto de vista da realidade económico-social da Região.

Ao contrário da situação então prevalecente, comparativamente ao resto do território nacional, hoje o rendimento per capita dos açorianos está num nível bem acima de outras regiões do país e acima da média nacional.

A Região está hoje também dotada de excelentes infraestruturas rodoviárias, portuárias e aeroportuárias, de hospitais e de escolas, de edifícios públicos regionais, etc.

A administração, quer a nível regional, quer a nível autárquico, funciona com normalidade e de forma geralmente eficiente, do mesmo modo que os serviços nacionais providenciados pela República.

Existe coesão social, estabilidade, segurança.

Os Açores são hoje um bom sítio para se viver.

Apesar disso o nível médio de rendimentos é baixo e a economia frágil, o que o fator da insularidade, por si só, não explica nem justifica.

A imprensa regional tem referido que um número elevado de agregados familiares vivem com rendimentos inferiores a 530 euros.

Julgo que a principal causa desta situação reside no baixo nível de qualificações da maioria da população.

Daí o papel crítico da educação a todos os níveis, desde o pré-escolar até à Universidade.

Terá de ser uma das prioridades, senão a primeira prioridade, se quisermos alterar a situação.

Tenho defendido em outras ocasiões a importância do ensino pré-escolar e o seu impacto social e como fator de mudança.

Volto aqui a reiterar a minha opinião de que o ensino pré-escolar é um sector que merecia uma atenção e um esforço muito superior ao atual.

Li nos jornais que o Governo Regional afetou recentemente cerca de 9 milhões de euros a creches e estabelecimentos de ensino pré-escolar.

Só posso louvar tal medida, que todavia considero insuficiente.

Para ter um verdadeiro impacto económico-social na vida das pessoas, o ensino pré-escolar deve ser generalizado e de excelência: na qualidade dos educadores, na adequação das instalações, nos programas que deveriam incluir o ensino de uma língua estrangeira, educação musical, prática de desporto, educação cívica, amor pela natureza e pelos animais e respeito pelos outros.

É pois necessário que haja um esforço coletivo não só da parte dos governantes mas da sociedade em geral, das instituições de solidariedade, de todos.

O ensino pré-escolar deveria ser gratuito, promover um ensino de excelência, providenciar a alimentação das crianças, vestuário e equipamento escolar, providenciar um acompanhamento social da sua inserção familiar.

Aliviaria assim os pais de um bom número de encargos numa altura crítica das suas vidas, quando são novos e com rendimentos tantas vezes modestos.

Seria um incentivo à natalidade encorajando os pais a terem mais filhos.

Não deixaria de fora nenhuma criança, não desperdiçando potencialidades de crianças especialmente dotadas.

Diminuiria o efeito das desigualdades socioeconómicas.

É uma causa por que todos deveríamos lutar e estou certo de que, chamados a isso, ninguém recusaria dar o seu contributo e ajuda pessoal.

Outro campo de eleição do meu ponto de vista seria a reabilitação dos agregados populacionais problemáticos.

Uma habitação digna é um direito fundamental de qualquer família e uma sociedade que se preze não pode permitir que haja quem não tenha um teto e condições minimamente adequadas onde possa abrigar-se, especialmente no caso dos idosos e das crianças.

Nos Açores é bem patente o cuidado que as gentes da terra põem no arranjo das casas que são geralmente mantidas num estado impecável e que fazem que seja um gosto atravessar as freguesias nas diversas ilhas.

Mas há exceções e existem áreas que mereceriam uma ajuda sistemática e concentrada na reabilitação das casas e dos espaços circundantes, valorizando o sentido de comunidade e encorajando os habitantes a um esforço suplementar para a melhoria das suas vidas e da vida coletiva.

O caso de Rabo de Peixe, vila piscatória que sofre talvez mais do que outras os efeitos da crise e que tem algumas áreas problemáticas poderia constituir uma experiência piloto. Com a ajuda de alguns arquitetos e pessoas de boa vontade, a vila poderia tornar-se num dos locais mais pitorescos e aprazíveis da Ilha de São Miguel, atrativo para os seus habitantes e para os visitantes.

Teria que haver um esforço integrado em que os aspetos sociais e económicos fossem considerados conjuntamente com a reabilitação das casas e espaços públicos.

Fica aqui o meu repto, que espero sinceramente seja bem compreendido. Ele é ditado unicamente pela atração que senti ao visitar a vila e pelo potencial que penso residir na sua valorização.

Finalmente, uma referência ao mar e recursos marinhos que foram objeto da 3ª edição deste fórum e que voltou nesta 4ª edição a ser uma das áreas abordada por um dos painéis.

Defendi então relativamente ao domínio público marítimo que para além da reserva absoluta da República relativa às competências que envolvam o exercício de prerrogativas soberanas, existe uma competência tendencialmente reservada à Região de licenciamento e atuações afins nas áreas de extração de inertes, das pescas e da produção de energias renováveis e uma ampla zona residual de competências concorrentes entre o Estado e a Região, a qual deve subordinar-se a um princípio de gestão partilhada.

Isto, para além do poder conferido à Região pela Constituição de participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos.

Daí a necessidade de uma definição de um enquadramento jurídico bem estruturado simultaneamente claro, simples e estável.

Esta definição jurídica deverá resultar, conforme então advoguei, de um esforço comum dos órgãos da República e da Região através de um diálogo e consultas mútuas.

Este mesmo ponto de vista presidiu ao pedido de fiscalização sucessiva que oportunamente submeti ao Tribunal Constitucional relativamente a legislação emanada da Região e da República, tendo o TC dado razão ao meu pedido, afirmando com clareza o princípio da gestão partilhada.

Permanece assim e agora com mais razão a necessidade de um entendimento entre a República e a Região sobre uma matéria tão importante para todos nós, como é o mar.

Será bom que ambas as partes procedam a consultas aprofundadas sobre a matéria, que revelem um espírito de compromisso e compreensão mútua, que exponham as suas posições e pontos de vista na busca de um entendimento razoável que consubstancie um consenso que tenha em conta os desiderata legítimos de cada uma das partes e do qual resultem benefícios para todos e uma base sólida que permita uma articulação horizontal das diversas politicas sectoriais sobre o mar.

É uma área em que devemos unir os nossos esforços e vontades e que não seja motivo de disputa, em que todos perderemos.

Permitam-me que finalize felicitando a FLAD e a Comissão Organizadora na pessoa do Sr. Michael Baum pela excelente coordenação dos trabalhos deste fórum e agradecendo ao Sr. Eng. Roberto Silva, Presidente da Câmara Municipal das Lajes do Pico, pela sua tão amável hospitalidade.

Agradeço a todos mais uma vez a vossa participação e contribuições e a atenção que me dispensaram.

Desejo-vos uma boa viagem de regresso aos vossos destinos.

Bem hajam e muito obrigado

Pedro Catarino

Lajes do Pico, 10 de Abril de 2015