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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO




DISCURSO POR OCASIÃO DO DIA DE PORTUGAL, CAMÕES

E DAS COMUNIDADE PORTUGUESAS




Permitam-me que vos saúde a todas e a todos, num espírito de amizade e fraternidade e vos agradeça a vossa presença que muito me honra.

1. O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades portuguesas fica marcado este ano pela feliz coincidência de o dia da Região ser celebrado na mesma data, a 10 de junho.

10 de junho de 1580 terá sido o dia da morte de Luís de Camões, seguramente a figura mais cimeira da cultura portuguesa, símbolo do génio português e de uma época histórica gloriosa.

As primeiras referências à comemoração deste dia remontam a 1880, por ocasião do tricentenário da morte do poeta lírico e autor de um dos mais extraordinários poemas épicos da história universal.

A República, que no seu famoso decreto de 13 de outubro de 1910 procurou laicizar todos os feriados — recorde-se que 10 de junho é também o dia de São Miguel Arcanjo, o Anjo Custódio de Portugal — não elencou o dia entre os feriados nacionais.

Mas as comemorações não desapareceram por completo, sendo retomadas oficialmente pelo Estado Novo, que viria também a associar à data o “dia da Raça”, comemorado com grandes cerimónias militares e ampla cobertura mediática.

Finalmente, já após o 25 de abril, em 1977, o dia de Camões perdeu a conotação nacionalista do período anterior e passou a celebrar também a diáspora portuguesa, nos quatro cantos do mundo.

Só no ano seguinte, em 1978, o dia 10 de junho assumiu a designação formal que hoje guarda. Como salientou o legislador ao tempo, “o Dia de Camões e das Comunidades, melhor do que nenhum outro, reúne o simbolismo necessário à representação do Dia de Portugal. Nele se aglutinam em harmoniosa síntese a Nação Portuguesa, as comunidades lusitanas espalhadas pelo Mundo e a emblemática figura do épico genial”.

No dia de hoje comemora-se, pois, um Portugal democrático e moderno, orgulhoso da sua história e da sua cultura, da sua diversidade e dos valores humanistas e universais partilhados por todos portugueses, onde quer que se encontrem.

Como é natural, o dia da Região é bem mais recente: remonta ao Decreto Regional nº 13, de 1980. As suas raízes últimas são, porém, bem mais antigas, como decorre do próprio fundamento para a escolha da data da sua celebração: a segunda-feira do Espírito Santo, que é primeira segunda-feira imediatamente após o Pentecostes, festa religiosa cristã que evoca a descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus.

Como o referido decreto recorda, as ilhas dos Açores foram povoadas durante séculos por pequenas comunidades isoladas, que, todavia, mantinham em comum “cultos e práticas profundamente populares, totalmente enraizadas no quotidiano e de origem vincadamente portuguesa”.

Seguramente o mais significativo de todos esses cultos é a “comemoração do Espírito Santo — em que se entrelaçam as mais nobres das tradições cristãs com a celebração da Primavera, da vida, da solidariedade e da esperança —, comemoração cuja vitalidade se alarga naturalmente a todos os núcleos de açorianos espalhados pelo mundo”.

No dia da Região comemora-se assim a “afirmação da identidade dos açorianos, da sua filosofia de vida e da sua unidade regional”, que são a justificação da autonomia política consagrada pela Constituição de 1976.

Por conseguinte, a coincidência entre o dia de Portugal e o dia da Região não pode senão ser considerada como auspiciosa: símbolo de um País unido na sua diversidade, empenhado na correção das suas assimetrias e com instituições políticas — nacionais e regionais, mas também locais — cooperando reciprocamente em prol do bem comum.

Não se trata de uma sobreposição de datas, porque nenhuma ofusca a outra. É antes um sincronismo simbolicamente importante, que significa que unidade e autonomia, Estado e Região, subsidiaridade e descentralização não se excluem, mas se complementam reciprocamente.

 

2. Dias como o de hoje são seguramente ocasião para celebrar os feitos do passado, assim como as conquistas dos nossos maiores nos diferentes domínios da atividade humana, desde a política à ciência, desde as artes à filosofia.

Neste campo, em 2019 comemoram-se os 500 anos de um dos mais extraordinários empreendimentos levados a cabo por um português: a viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães.

Depois de ter adquirido uma larga experiência como navegador, em várias expedições à Índia, Fernão de Magalhães planeou cuidadosamente a primeira viagem de circum-navegação ao globo terrestre, recorrendo aos melhores conhecimentos geográficos e cartográficos da época. 

Ao serviço do rei de Espanha, Carlos V, que pretendia alcançar as Ilhas Molucas (ou Ilhas das Especiarias) sem pôr em causa a divisão estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, Magalhães organizou e aparelhou a sua armada de cinco navios e duas centenas e meia de homens.

Esta armada partiu no início de 1519, em direção às Canárias e depois ao Brasil, mas só em novembro, após várias tentativas e muitas perdas, Magalhães conseguiu atravessar o estreito, a que viria a ser dado o seu nome, e iniciar a travessia do Pacífico, alcançando as Filipinas onde viria a morrer numa escaramuça.

A viagem — meticulosamente relatada por um italiano, António Pigafetta — haveria de ser concluída por um espanhol, Juan Sebastián de Elcano, que retornaria a Espanha com a única nau restante — a Vitória — e um pequeno punhado de homens, 18.

É uma história absolutamente extraordinária, em que a bravura de um homem se conjuga com a sua capacidade de liderança, e o espírito de inovação se combina com uma resiliência ímpar na superação das dificuldades.

Como muitos outros, um exemplo que importa não apenas enaltecer, mas também ter em consideração quando, no desempenho das nossas profissões, somos chamados a assumir responsabilidades públicas e privadas.

Os desafios que hoje se colocam nas sociedades contemporâneas são muito diferentes, mas (se excetuarmos porventura a coragem física) a receita para o sucesso continua a ser sensivelmente a mesma: planeamento, liderança, inovação e persistência.

 

3. No ano em curso, o dia de Portugal situa-se temporalmente entre dois atos eleitorais importantes. Há pouco mais de 15 dias, as eleições para o Parlamento Europeu; e daqui a cerca de quatro meses, as eleições para a Assembleia da República, a 6 de outubro.

As primeiras decorreram com absoluta normalidade democrática, embora a elevadíssima taxa de abstenção — cerca de 65% a nível nacional e 81% nos Açores — seja um sinal muito preocupante.

A União Europeia é um projeto muito positivo e generoso, que tem unido desde o final da Segunda Guerra um número crescente de Estados europeus, empenhados nos valores da dignidade humana, da democracia e do Estado de Direito, assim como na promoção do desenvolvimento económico e social e de uma paz duradoura.

É, contudo, um projeto ameaçado por incertezas importantes, localizadas em vários pontos da sua geografia, mas que parecem ter o mesmo denominador comum: a emergência de forças políticas com um discurso e uma prática populistas, que apresentam ao eleitorado respostas simples para problemas complexos.

A resposta não pode, por isso, ser a da passividade ou a do alheamento. Todos os portugueses são por direito próprio cidadãos europeus, pelo que o empenhamento na construção do projeto europeu não pode estar restringido aos titulares de cargos políticos e aos deputados ao Parlamento Europeu.

A participação nas eleições legislativas é tradicionalmente superior à das eleições europeias. É ainda assim muito baixa, com taxas de abstenção a rondar os 44% nas últimas eleições de 2015 (nas eleições para a Assembleia Constituinte, em 1976, não chegou aos 9%).

É fundamental apelar ao voto, mas não apenas por palavras, nas campanhas eleitorais, em discursos mais ou menos sentidos, ou através de campanhas de marketing.

É fundamental apelar ao voto no exercício quotidiano da política, nos atos e não apenas nas palavras. Fazer as reformas há muito adiadas e que permitiriam mais proximidade entre eleitores e eleitos, mais transparência e mais responsabilidade. Mudar o discurso político para incluir novos temas, para que este possa ser mais inclusivo e mais apelativo para os jovens, que constituem aliás o grupo etário que menos vota em todas as eleições — quando devia ser o contrário.

Eis, portanto, um desafio que tem de começar a ser respondido quanto antes, para que, eventualmente, se possa inverter a inquietante tendência dos últimos anos, já nas próximas eleições de outubro.

 

4. Minhas Senhoras e meus Senhores.

No dia de Portugal é tradição o Representante da República impor, em nome de Sua Excelência o Presidente da República, condecorações a cidadãos e instituições que se destacaram socialmente pelos seus méritos, honrando os Açores e Portugal.

Este ano serão agraciados o Senhor Dr. Roberto Amaral, a Senhora Dona Patrícia Bensaúde Fernandes e o Senhor João Alberto das Neves, que nos honram com a sua presença e a quem saúdo muito cordialmente.

O Senhor Dr. Roberto Amaral desempenhou ao longo da sua vida importantes funções de grande relevo para a Região e para o país, na área política, bem como na área económico-financeira.

Economista de formação, manteve sempre uma ação cívica e política ativa, de grande influência para o reforço das instituições autonómicas da Região, distinguindo-se pela sua competência técnica e profissional e pelos altos padrões éticos e humanos da sua conduta e pela sua integridade.

O seu impressionante currículo, as muitas altas funções desempenhadas, as prestigiosas incumbências que lhe foram atribuídas, revelam bem o espírito independente, a sua capacidade de decisão e uma estatura moral invulgar que lhe granjearam o respeito por parte da sociedade a todos os níveis, nomeadamente dos mais elevados.

A Senhora Dona Patrícia Bensaúde Fernandes, Presidente do Conselho de Administração do Grupo Bensaúde, filha do grande empresário Vasco Bensaúde, a cuja memória presto aqui homenagem, soube através da sua liderança dar continuidade e reforçar o papel do maior grupo empresarial dos Açores, cuja importância para a Região tem sido e é hoje fundamental em sectores tão importantes como o Turismo, os Transportes e a Energia.

A Senhora Dona Patrícia Bensaúde, com o seu empenho e entusiasmo e a sua força anímica e moral, tem mantido viva a tradição familiar e o fator agregador e a inspiração que dessa tradição resultam para o Grupo e para o bom nome e reputação da sua marca, tão importantes no mundo de hoje.

Uma vida exemplar, regida por princípios morais sólidos e por uma consciência social responsável, tem constituído para a família e para o Grupo Bensaúde um fator que se tem refletido no espírito empreendedor e inovador do Grupo e numa visão empresarial de uma economia dinâmica e sustentável de que tanto precisam os Açores. Bem-haja por isso Senhora Dona Patrícia.

O Senhor João Alberto das Neves, artífice carpinteiro especializado na construção e reparação naval, nascido na Ilha de São Jorge e vivendo na Ilha do Pico há mais de 50 anos, conseguiu através da sua inteligência e dinamismo, mas também e sobretudo do seu trabalho e da sua tenacidade desenvolver o maior centro de reparação e construção naval dos Açores em Santo Amaro do Pico.

É impressionante a quantidade de embarcações que o seu estaleiro construiu ou reparou: traineiras e batéis para a pesca artesanal, lanchas desportivas, botes baleeiros, atuneiros, embarcações de transporte local, todas saídas das suas mãos habilidosas e competentes e das dos seus colaboradores, que fizeram escola.

O seu papel, a sua vida de trabalhador incansável e a sua dedicação às artes da carpintaria naval merecem o respeito e admiração de toda a comunidade.

Aos três agraciados exprimo as minhas sinceras e calorosas felicitações pela distinção que lhes é atribuída pelo Senhor Presidente da República e o meu muito obrigado.

 

5. Permitam-me que dirija uma saudação especial aos representantes dos órgãos de poder regional, aos deputados à Assembleia da República e aos dirigentes dos partidos políticos aqui presentes.

Desejava igualmente aproveitar esta ocasião solene para saudar muito cordialmente e exprimir o meu reconhecimento aos magistrados judiciais e do Ministério Público, aos militares das Forças Armadas e agentes das Forças de Segurança e a todos os funcionários do Estado e da Região que nesta desempenham funções.

Todos dão um indispensável contributo para a sustentabilidade da autonomia da Região, para o seu progresso e para o bem-estar dos açorianos.

Bem-hajam pelo vosso bom trabalho e dedicação ao serviço público e à comunidade.

Muito grato igualmente pela presença de Sua Excelência Reverendíssima, Senhor Dom João, Bispo de Angra.

Um agradecimento especial ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, Professor Doutor Álamo de Meneses, pela sua prestimosa colaboração para a cerimónia que teve lugar esta manhã na Praça Velha.

Peço que aceite os meus parabéns para si e para toda a população de Angra do Heroísmo, no ano em que se comemoram 485 anos da sua elevação a cidade, por carta régia de agosto de 1534. Nesse mesmo ano, em novembro, foi também criada a Diocese de Angra.

Uma palavra de agradecimento ainda ao Senhor Rui Melo que nos brindou com um maravilhoso solo e que nos vai ainda certamente deliciar com mais uma interpretação no final da sessão de hoje.

 

Distintos convidados, caros açorianos e açorianas.

Apresento a todos vós os melhores votos de felicidades, extensivos às vossas famílias no seio de uns Açores cada vez mais prósperos.

 

Pedro Catarino

Angra do Heroísmo, 9 de junho de 2019