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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO



Conferência do Representante da República, Embaixador Pedro Catarino, aos Auditores do Curso do Instituto de Defesa Nacional em visita à Região Autónoma dos Açores

7 de abril de 2016


Queria antes de mais dar-vos as boas vindas à ilha Terceira e desejar-vos uma estadia agradável e produtiva.

É com muito prazer que vos recebo e partilho convosco algumas ideias sobre a realidade da Região Autónoma dos Açores e do enquadramento constitucional vigente.

Permitam-me que dirija uma saudação muito especial ao Sr. General Vítor Rodrigues Viana, a quem me liga uma relação pessoal e profissional de longa data e que tem vindo a orientar com distinção e dinamismo os trabalhos do IDN.

Seja-me ainda permitido saudar os meus dois colegas de carreira que fazem parte do atual Curso de Defesa Nacional, o Dr. Gomes Samuel e o Dr. Veloso da Costa.

É com alegria que constato a participação do MNE nas iniciativas do IDN.

A política externa e a ação diplomática, bem como naturalmente outros sectores da vida pública, não podem estar desligadas da realidade do país em todas as suas vertentes e é essencial que os diplomatas e outros agentes públicos tenham um bom conhecimento dessa realidade, para poderem eficazmente defender o interesse nacional e dos portugueses.

É essencial, por outro lado, que esse conhecimento seja baseado numa análise crítica da realidade e num confronto de ideias que é apanágio de qualquer democracia madura e fonte da força das respetivas instituições.

É este, julgo, o papel do Curso de Defesa Nacional, proporcionando um alargado debate de ideias. Espero que isso aconteça e aqui ficam os meus votos para que a presente visita possa contribuir para tal fim.

Uma saudação especial também para os representantes dos países da CPLP, que participam neste curso – Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

Saúdo igualmente os participantes que estão a seguir os nossos trabalhos por videoconferência, a partir de Ponta Delgada. 

Como porventura a maioria de vós sabe, eu sou um diplomata de carreira, jubilado, que me encontro presentemente a desempenhar o cargo de Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.

Iniciei no mês passado o meu segundo mandato para o qual fui nomeado pelo Senhor Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa.

O mandato tem a mesma duração do mandato do Presidente da República, que nomeia o Representante da República depois de ouvido o Primeiro-Ministro. Nem sempre foi assim, como vos explicarei.

O Representante da República responde perante o Presidente da República de cuja confiança exclusiva depende.

O Senhor Presidente da República entendeu por bem consultar, previamente à nomeação, conforme informou na tomada de posse dos dois Representantes da República, os órgãos do poder regional, embora tal consulta não seja imposta pela Constituição ou pela lei.

O meu primeiro mandato de 5 anos para o qual fui nomeado pelo então Presidente da República, Professor Cavaco Silva, decorreu de 2011 até 2016.

Sou o nono incumbente do lugar, que teve a designação inicial de Ministro da República, quando criado em 1976.

Os 4 primeiros incumbentes foram oficiais generais, o quinto Professor de Direito e os 3 seguintes Juízes Conselheiros do STJ.

Denominador comum entre os nomeados é o facto de todos serem servidores do Estado, com longas carreiras de serviço público, sem ligação aos partidos e sem qualquer atividade político-partidária.

É este também o meu caso. Abracei a carreira diplomática, em que o serviço do Estado se sobrepõe às convicções ideológicas ou preferências partidárias. Assumi durante a minha carreira ativa funções de representação do Estado em países estrangeiros, negociações internacionais e organizações internacionais, em que procurei sempre servir os interesses do meu país sem distinguir a cor política dos governantes do momento.

Foi assim então e é assim agora, no desempenho das minhas presentes funções.

Vou seguidamente dar-vos, de forma resumida, uma ideia das minhas competências e do seu enquadramento constitucional na sua evolução histórica.

Se quiserem ter uma informação mais detalhada, aconselho a leitura de uma intervenção que fiz em Abril de 2014 por ocasião de uma das anteriores visitas do Curso de Defesa Nacional aos Açores e que consta da revista do IDN, Nação e Defesa, nº 141 e que pode ser também consultada no “site” do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.

Estarei por outro lado à vossa disposição para responder a quaisquer perguntas que me queiram colocar ou a pedidos de esclarecimento.

O regime autonómico da Região Autónoma dos Açores foi estatuído pela Constituição de 1976.

A Constituição, que faz este mês 40 anos, previa então a existência de um Ministro da República, nomeado pelo Presidente da República, sob prévia proposta do Primeiro-Ministro e responsável perante os dois, com competências políticas, ministeriais e administrativas e vicariantes de Chefe de Estado.

O Ministro da República superintendia as funções administrativas exercidas pelo Estado na Região e coordenava-as com as exercidas pelos órgãos regionais.

Participava então nas reuniões semanais do Conselho de Ministros.

Em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais era o próprio Ministro da República que deveria assegurar interinamente o Governo da Região.

Este quadro, que configurava de certo modo um sistema de tutela sobre os órgãos de governo próprio regionais, constituiu um dos pontos mais importantes do chamado “contencioso das autonomias” que marcou os primeiros anos do regime autonómico dos Açores.

Era um modelo de regionalismo que caracterizou a primeira fase de vivência das autonomias regionais portuguesas e que continha um conjunto de mecanismos institucionais, do qual fazia parte o Ministro da República, que enquadravam o poder político regional e o sujeitavam à unidade do Estado.

Este quadro foi evoluindo através de sucessivas revisões constitucionais ¬¬– 1982, 1989, 1997, 2004 – que vieram reforçar  e densificar a autonomia da Região e alargar significativamente os poderes legislativo e executivo dos órgãos regionais, alterando igualmente o estatuto e competências do Ministro da República.

Especificamente as revisões de 1997 e 2004 vieram modificar os poderes constitucionais do Ministro da República.

A revisão de 1997 veio aproximar o cargo ao do Presidente da República, e suprimiu o essencial dos seus poderes governamentais, deixando de ter assento no Conselho de Ministros. As competências administrativas que lhe eram atribuídas passaram a depender de delegação do governo, apenas podendo ser exercidas de forma não permanente.

Em 2004 foi por sua vez criado o cargo de Representante da República que substituiu o de Ministro da República, com competências políticas e responsável exclusivamente perante o Presidente da República.

A revisão de 2004 operou por outro lado a supressão total dos poderes administrativos do anterior Ministro da República.

O Governo Regional, apesar de nomeado pelo Representante da República, passou a tomar posse perante a Assembleia Legislativa da Região, anteriormente designada Assembleia Regional.

A partir de 2004, o Representante da República, é configurado como titular de cargo político, residente, com competências no âmbito do funcionamento do sistema do Governo Regional e com funções de representação do Estado e de controlo normativo dos atos legislativos e regulamentares dos órgãos de governo regionais.

No plano protocolar, o Representante da República tem precedência sobre todas as entidades regionais e nacionais nas cerimónias civis e militares que tenham lugar na respetiva Região, que cede quando estiverem presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro.

Resumindo, as competências atuais do Representante da República, para além de uma função simbólica de representação da soberania do Estado, da unidade da Nação e do todo nacional do qual fazem naturalmente parte os Açores, concretizam-se na nomeação do Presidente do Governo Regional e dos restantes membros do Governo Regional e no direito de veto e fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos diplomas legislativos e regulamentares emanados dos órgãos de poder regionais.

Por lei ordinária, tem ainda competências quanto à organização e funcionamento de processos eleitorais e participa nos seguintes órgãos consultivos: Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República e Conselho Superior de Segurança Interna, presidido pelo Primeiro-Ministro, nas reuniões que tratem de assuntos de interesse para a respetiva região autónoma.

Finalmente é-lhe ainda atribuída competência para assegurar a execução da declaração do estado de sítio e do estado de emergência, em cooperação com o Governo Regional.

As revisões constitucionais que referi inserem-se num processo de aprofundamento progressivo das autonomias regionais e no alargamento dos poderes legislativos e executivos dos órgãos de governo próprio das Regiões.

Mas foi a revisão de 2004 que veio introduzir uma verdadeira alteração no âmbito das competências dos órgãos de governo próprio, da organização do sistema político regional e do enquadramento das relações entre as regiões autónomas e a república. 

Foram eliminados os conceitos de “interesse específico” e “lei geral da República”.

O conceito chave passou a ser o “âmbito regional”.

A Região passou a legislar no âmbito regional em qualquer das matérias enunciadas no Estatuto Político-Administrativo e não reservadas aos órgãos de soberania.

As regiões adquirem ainda a faculdade de transpor diretivas da União Europeia.

O regime de dissolução dos órgãos de governo próprio foi alterado, consagrando-se o poder do Presidente da República de dissolução da Assembleia Legislativa num regime semelhante ao da Assembleia da República.

A dissolução da Assembleia Legislativa acarreta a substituição do Governo Regional reforçando-se a responsabilidade política exclusiva perante a Assembleia Legislativa e a componente parlamentar do sistema político regional.

Foi consagrada a possibilidade de delegação de competências do Governo da República no Governo Regional bem como o estabelecimento de outras formas de cooperação.

Podemos dizer que os Açores gozam hoje de uma autonomia que se estende aos planos político, legislativo, administrativo, financeiro e patrimonial, assegurada e delimitada pelo quadro legal definido pela Constituição, Estatuto Político-Administrativo e Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

É-lhes por outro lado reconhecido o direito de participação na definição das políticas nacionais e sempre que os respetivos interesses estejam em jogo, bem como de participação nas negociações internacionais e no processo de construção europeia quando estejam em causa matérias que lhes digam respeito.

Passarei agora muito sucintamente a dar-vos conta do que foram os principais marcos do meu 1º. Mandato como Representante da República.

Desde logo a minha participação nas eleições legislativas regionais de 2012, em que, nos termos da Constituição tendo em conta os resultados eleitorais e ouvidos os partidos, nomeei o Presidente do Governo Regional e sob proposta deste, os restantes membro do Governo Regional.

Uma vez que um dos partidos teve maioria absoluta nas eleições o quadro governativo era claro não suscitando quaisquer dúvidas.

No entanto permitam-me que vos mencione, para que possam aperceber-se da possível relevância da intervenção do Representante da República, a controvérsia que foi suscitada na comunicação social e nos meios políticos açorianos, previamente às eleições, sobre a possibilidade ou não do então Presidente do Governo Regional se recandidatar como líder do seu partido às eleições.

O Estatuto Político-Administrativo na sua nova redação, aprovada em Janeiro de 2009 estatui que o Presidente do Governo Regional só pode ser nomeado para 3 mandatos consecutivos.

Ora tendo esta disposição entrado em vigor já depois de o então Presidente do Governo Regional se encontrar a cumprir o seu 4º mandato, punha-se a questão de saber se se deveria aplicar só para o futuro não se contando os mandatos passados.

A questão passou a ser meramente académica a partir do momento em que o próprio, num ato de coerência política e ética, uma vez que tinha sido ele o promotor da referida disposição, decidiu não se candidatar nas novas eleições.

Durante o meu mandato são também de realçar as visitas oficiais à Região do Presidente da República de 20 a 24 de Setembro de 2011 e do Primeiro- Ministro de 26 a 29 de Outubro de 2014.

Durante os últimos cinco anos, no exercício da minha competência de fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos diplomas legislativos usei do meu veto político devolvendo os diplomas à Assembleia Legislativa por 3 vezes, em agosto de 2011, março de 2012 e abril de 2014.

No primeiro caso, relativo a um decreto legislativo aprovando o sistema de incentivos para o desenvolvimento regional dos Açores (SIDER), a Assembleia Legislativa reapreciou o diploma e aprovou uma nova versão que acolheu integralmente a argumentação por mim oferecida.

No segundo caso, relativo a um decreto legislativo estabelecendo o regime jurídico da publicidade e do patrocínio dos produtos do tabaco na Região Autónoma dos Açores, a Assembleia Legislativa reapreciou o diploma e com base no parecer da sua Comissão Permanente de Economia aceitou a minha recomendação e decidiu a rejeição do diploma.

No terceiro caso, relativo a um decreto legislativo criando o regime de integração excecional dos docentes contratados por concurso externo em 2014, a Assembleia Legislativa reapreciou o diploma e aprovou uma nova versão que acolheu integralmente a minha argumentação e sugestões.

Solicitei por outro lado a fiscalização preventiva de 3 diplomas, respetivamente em junho de 2013, outubro 2013 e dezembro de 2013.

No primeiro caso, relativo a um decreto legislativo fixando o regime jurídico aplicável às novas substâncias psicoativas, o Tribunal Constitucional decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade de um dos artigos, tal como solicitado. 

No segundo caso, relativo a um decreto legislativo estabelecendo o período normal de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública Regional, o Tribunal Constitucional decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade do diploma.

No terceiro caso, relativo ao decreto legislativo aprovando o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o ano de 2014, o Tribunal Constitucional decidiu não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma relativa à remuneração complementar regional, a qual tinha sido requerida.

Este caso suscitou alguma controvérsia na Região. Ainda recentemente num editorial de um dos diários de Ponta Delgada se dizia que a não promulgação do Orçamento tinha obrigado a Região a governar por duodécimos nos primeiros meses de 2014. Tal não corresponde à realidade uma vez que o Orçamento foi publicado a 29 de janeiro.

Devo esclarecer ainda, conforme Nota de Imprensa que emiti na altura, que os motivos na origem do pedido de fiscalização preventiva foram estritamente jurídicos e não envolveram qualquer apreciação sobre a justeza política da medida aprovada pela Assembleia Legislativa.

É assim destituída de qualquer base, assente na realidade dos factos ou em declarações minhas, seja-me permitido sublinhar, a acusação que me foi recentemente feita num artigo subscrito por um deputado regional de que sou um “feroz” centralista. É uma afirmação não substanciada, bem longe da minha personalidade e convicções. Não me considero nem feroz, nem centralista.

Finalmente solicitei a fiscalização abstrata e sucessiva em junho de 2012, da ilegalidade por violação do Estatuto Político-Administrativo do regime estatuído pelo decreto legislativo regional relativo à revelação e aproveitamento dos recursos geológicos do território terrestre e marinho da Região Autónoma dos Açores bem como assim de um artigo de um decreto-lei da República sobre a matéria. O Tribunal Constitucional declarou a ilegalidade, como força obrigatória geral, das normas do decreto legislativo regional na parte aplicável aos recursos minerais marinhos situados nas zonas marítimas portuguesas por violação do Estatuto. Não declarou a ilegalidade do artigo em causa do decreto-lei da República.

Permitam-me que saliente ainda o facto de, embora tenha havido uma redução das competências do Representante da República, estas não se esvaziaram nem diminuíram em volume, tendo até tido um incremento com o alargamento da autonomia e o aumento da produção legislativa.

Nos 5 anos do meu primeiro mandato promulguei 141 decretos legislativos regionais e 103 decretos regulamentares regionais num total de 244 diplomas.

Como se pode depreender dos resultados alcançados exerci as minhas competências com prudência e o mais avisadamente possível. 

Durante esse período presidi 5 vezes às comemorações nos Açores do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas tendo pronunciado nessas ocasiões discursos, sobre temas relevantes da vida nacional e regional e outorgado condecorações em nome do Senhor Presidente da República.

Dirigi também no final de cada ano mensagens aos açorianos e fiz palestras e intervenções em sessões públicas.

Os textos de todas as minhas intervenções constam do “site” do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores.

Tive sempre um relacionamento cordial com as autoridades regionais e com os diversos sectores da sociedade açoriana e defendi em todas as oportunidades um relacionamento correto e amistoso entre os órgãos da República e os órgãos regionais e um diálogo e consultas permanentes entre os mesmos.

Procurei nunca me imiscuir nos assuntos da competência dos órgãos regionais e não entrar em debates que pudessem influenciar a vida político-partidária regional.

Julgo que posso dizer que nem a função nem o seu desempenho constituíram obstáculo ou entrave à autonomia.

Algumas palavras sobre o futuro: o futuro da autonomia e o futuro da figura constitucional do Representante da República.

A autonomia. Ela está consagrada na Constituição de 1976.

Constitui até, juntamente com a unidade do Estado, um limite material da revisão constitucional.

Tem vindo a ser reforçada e consolidada como vimos, através de diversas revisões constitucionais.

É passível de ser aperfeiçoada e aprofundada?

Naturalmente que é e será sempre. Tudo na vida, que está sempre a mudar, é passível de aperfeiçoamento e a perfeição total deve ser sempre um objetivo dos nossos esforços.

É o próprio Estatuto Político-Administrativo que diz no seu artigo 14º: “o processo de autonomia regional é de aprofundamento gradual e dinâmico”. 

Esse aprofundamento deverá ser feito, sobretudo através do seu exercício aproveitando todo o potencial que o quadro constitucional vigente oferece.

É um esforço que deve ser desenvolvido pelos órgãos de governo próprio da Região que faz parte da noção de autonomia, de autogoverno e da essência da democracia, que está na origem da autonomia. Nesse esforço devem colaborar todos os açorianos.

Esse exercício da autonomia tem aspetos formais e substanciais.

Formais no que diz respeito à arquitetura institucional regional, à participação, cooperação e coordenação de cada ilha no todo regional, à participação democrática dos cidadãos na vida política da Região, aspetos que podem e devem ser melhorados através da iniciativa e esforços dos próprios açorianos.

Substanciais no que diz respeito ao desenvolvimento económico-social e à autossuficiência que deverá constituir sempre um objetivo a alcançar seja por esforço próprio, seja pela solidariedade do todo nacional.

A autonomia é inseparável do desenvolvimento, que deverá ser sempre o foco principal da atenção dos governantes.

Mais uma vez, caberá aos açorianos fazer as opções que melhor entenderem, mas será importante que o façam na base de um bom entendimento e cooperação com as instâncias da República, dentro do espírito da própria Constituição quando diz que a autonomia das regiões visa o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.

Por outro lado, o aprofundamento da autonomia poderá ter lugar através do alargamento da esfera de competências dos órgãos de poderes regionais, sempre possível, mas que deverá, no meu julgamento, ter sempre em conta os meios e os benefícios envolvidos.

Esse alargamento recai na esfera da competência da Assembleia da República e terá que ser feito através de revisões constitucionais, não devendo afetar a integridade e soberania nacional nem quebrar o equilíbrio entre a unidade do Estado e as autonomias regionais.

Aqui também o exercício de poderes recíprocos, quer por parte da República, quer por parte da Região, é essencial, de modo a que esse exercício corresponda a um respeito mútuo e a uma união de esforços dentro dos princípios constitucionais da solidariedade e reciprocidade.

A defesa da Autonomia não pode ser levada a cabo pondo em oposição quem deverá estar unido nessa defesa e criando barreiras e uma dicotomia entre a República e a Região, que não tem razão de ser e que não traz benefícios a ninguém.

A República é afinal o todo nacional do qual a Região faz parte e em cujos órgãos de soberania está representada como é o caso da Assembleia da República e tem os mesmos direitos que qualquer outra parcela nacional de os assumir.

A divisão entre centralistas e autonomistas é uma criação artificiosa que não tem correspondência com a realidade.

A autonomia é uma realidade constitucional, consagrada desde o advento da democracia e que congrega o consenso de uma maioria esmagadora dos portugueses quer sejam açorianos, quer sejam de outra qualquer parcela do território nacional.

Fazer da autonomia uma guerra separando os portugueses não é um bom serviço ao país nem serve os interesses dos Açores.

O Representante da República. Iniciei agora o meu segundo mandato. Procurarei continuar a desempenhar as minhas funções no quadro constitucional vigente e com o mesmo empenho, em prol dos Açores.

Estou consciente de que existem sectores da vida política da Região que não se sentem confortáveis com a existência do cargo tal como ele é hoje previsto na Constituição.

Entendem que falta ao Representante da República a necessária legitimidade democrática, que constitui uma tutela desnecessária e que é uma solução que revela desconfiança ou receio sobre a autonomia. Olham por outro lado para o Representante da República como um “Vice-Rei” ou um enviado da “metrópole” que serve o interesse nacional definido em Lisboa e uma conceção das autonomias anacrónica e ultrapassada. 

Sublinham ainda que existe um consenso quanto à extinção do cargo.

O próprio Presidente do Governo Regional em 25 de Maio do ano passado nas celebrações do Dia da Região na ilha das Flores, num discurso todo ele dedicado à autonomia veio propor um debate sobre uma reforma institucional que passaria pela extinção do cargo de Representante da República sugerindo a ponderação de uma solução organizativa de raiz regional, criada ou a criar, para o substituir.

Tenho alguma relutância em envolver-me numa discussão sobre uma matéria que constitui para mim uma causa própria, que diz respeito ao cargo que eu próprio desempenho.

Acho por outro lado que devo evitar assumir posições que podem ser interpretadas como estando a tomar partido num debate político que precede as eleições legislativas regionais que terão lugar este ano.

Permito-me no entanto fazer algumas observações sobre a matéria.
Primeiro para, com o devido respeito, discordar da falta de legitimidade democrática do meu cargo. Ele está previsto na Constituição, aprovada por mais de dois terços de uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo português.

A respetiva nomeação é do Presidente da República eleito por uma maioria do eleitorado.

Essa nomeação foi precedida, no meu caso pessoal, pela audição do Primeiro-Ministro e dos órgãos do governo próprio da Região.

A aplicar-se o mesmo raciocínio levar-nos-ia a pôr em questão um elevado número de órgãos do poder tais como o Provedor de Justiça, Procurador-Geral da República, etc..

Em segundo lugar, o Representante da República não exerce tutela sobre qualquer órgão de governo próprio da Região. O regime autonómico estabelece um regime parlamentar em que o Governo Regional responde perante a Assembleia Legislativa que essa, sim, exerce um poder tutelar. Note-se ainda que o controlo normativo do Representante da República não envolve poderes de decisão que estão cometidos ao Tribunal Constitucional.

Em terceiro lugar, não vejo como o lugar de Representante da República possa ser visto como revelando uma desconfiança em relação à autonomia. Faz parte da democracia e do sistema de pesos e contrapesos que não haja concentração de poderes num só órgão de governo e que haja sempre uma fiscalização recíproca assegurando a sujeição de todos os órgãos à lei e ao primado do Direito.

Em quarto lugar, o Representante da República tem competências próprias e independência quanto às suas decisões, não estando sujeito a orientações de Lisboa. Depende exclusivamente da confiança do Presidente da República. Representa o todo nacional do qual a Região faz parte.

Relativamente ao debate proposto há cerca de um ano, julgo e já o declarei publicamente que considero que é sempre saudável e próprio de qualquer democracia haver debates de ideias com vista à adaptação das instituições à evolução dinâmica da sociedade.

Constato contudo que passado um ano esse debate não deu ainda frutos visíveis para além de algumas generalidades e que ainda não existem quaisquer propostas alternativas concretas, nem sequer esboçadas, nem de raiz regional nem nacional.

Considero por outro lado que o debate na Região deve ser compaginado com um debate no continente onde existe um défice de informação, análise crítica e porventura de interesse pelas questões respeitantes à Região. A cobertura na comunicação social nomeadamente na Televisão é deficiente, os comentários são escassos e pouco independentes, na maior parte emanados de constitucionalistas que assessoram os governos regionais e para quem elaboram pareceres numa base remunerada.

Uma palavra quanto ao consenso que por vezes se proclama antecipadamente mas que só depois de um debate livre e aberto a todos, poderá ser conclusivamente constatado.

Seja-me permitido, para finalizar, citar um artigo publicado no jornal do Faial “Tribuna das Ilhas” no dia 18 de março passado.

E cito:
“Embora a minha opinião pouco conte para tão importante assunto (extinção do cargo de Representante da República) não me tenho cansado em defender a sua manutenção, convicto que estou que a sua existência é até motivo honroso para os Açores e para a Madeira”.
Fim de citação.

Cumprimento o ilustre autor do artigo, Sr. Armando Amaral, que não tenho o prazer de conhecer, e queria dizer-lhe que no meu parecer não é a sua nobre e generosa afirmação que faz com que seja menos açoriano ou que goste menos da sua terra.

E é com humildade que, perante a honra que ele sente com a existência de um Representante da República, eu gostaria de proclamar pela minha parte a minha honra no desempenho da função e em estar ao serviço do meu país, particularmente dos Açores.



Angra do Heroísmo, 7 de Abril de 2016