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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO



 

Intervenção de Sua Excelência o Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Embaixador Pedro Catarino. por ocasião do 40º aniversário do 25 de novembro de 1975 


 

Quarenta anos do 25 de Novembro de 1975

 

“Impacto do 25 de Novembro na autonomia regional açoriana”

 

         Desejava em primeiro lugar agradecer o amável convite para participar nesta sessão pública e felicitar o Instituto Histórico da Ilha Terceira na pessoa do seu presidente, Dr. João Maria Mendes, por esta iniciativa no sentido de assinalar o 40º. Aniversário do 25 de Novembro.

         É importante para qualquer comunidade que ela mantenha viva a memória dos momentos mais marcantes e relevantes da sua história e que esta memória seja transmitida às novas gerações por quem viveu os respetivos acontecimentos.

         É um lastro histórico e cultural que preenche e dá sentido a uma verdadeira consciência comunitária e fortalece a coesão social permitindo o progresso das nossas sociedades.

         Temos a felicidade de hoje pertencer a um grupo de países cujas sociedades estão estruturadas com base numa democracia pluralista em que todos os cidadãos têm o direito e o dever de participar ativamente, de se associarem e exprimirem livremente as suas opiniões e convicções, com respeito pelos direitos dos outros, em que os direitos e liberdades fundamentais são garantidos, em que a iniciativa individual é encorajada e em que oportunidades são oferecidas a todos dentro dos princípios da igualdade e solidariedade.

         São estes países e estas sociedades que apresentam no mundo índices de desenvolvimento humano mais elevados, quer nos aspetos materiais, quer imateriais e, sobretudo nos aspetos civilizacionais.

         25 de Abril e 25 de Novembro, são duas datas fundamentais para o Portugal de hoje e para todos nós portugueses.

         Vamos nesta sessão ouvir os testemunhos de quem viveu aquelas duas datas e os acontecimentos que se desenrolaram então e que neles participaram ativamente com notável empenhamento patriótico.

         É com um sentimento de profunda gratidão que os saúdo com toda a minha admiração e respeito.

         O Professor Doutor Jorge Miranda a quem me liga uma amizade de 60 anos, de uma vida, desde os tempos do Liceu Camões em Lisboa em que ele já escrevia projetos de Constituição na ânsia de liberdade e justiça social. Fizemos depois toda a Universidade juntos e, permitam-me que diga, com toda a sinceridade, que não conheço ninguém mais íntegro, mais cândido e sincero, mais independente e mais generoso.

 

         O Dr. Álvaro Monjardino, por seu lado, é um açoriano e um português de quatro costados, que tem vivido a sua vida com grande intensidade e profundidade que felizmente não se tem abatido com a idade. Não houve nada que dissesse respeito à história contemporânea dos Açores em que não estivesse envolvido, intimamente, corajosamente, e sempre em posições de destaque.

         Não conheço também ninguém nos Açores mais bem colocado para nos dar um testemunho sobre o 25 de Novembro e o seu impacto nesta Região Autónoma.

 

         Uma palavra ainda sobre o Dr. Miguel Monjardino moderador da presente conferência, académico, jornalista, analista político, educador. Tem ele hoje aqui a tarefa de estabelecer uma ponte intergeracional entre o mundo em 1975 e o mundo de hoje.

         Sei que estamos em boas mãos.

 

         Permitam-me, antes que passe a palavra ao Dr. Miguel Monjardino, que teça algumas breves observações sobre a minha experiência pessoal relativamente ao 25 de Novembro.

 

         Vivi quer o 25 de Abril, quer o 25 de Novembro, longe da Pátria, em Bruxelas, onde estava colocado como jovem diplomata na Delegação de Portugal junto da NATO, onde permaneci até 1979.

         O 25 de Abril foi acolhido pelos nossos parceiros da NATO, as principais nações democráticas do mundo, algumas delas muito críticas do regime de Salazar e Caetano, como a Holanda e a Noruega, com um sentimento positivo de esperança e uma pré-disposição de apoio e ajuda.

         A atitude inicial no seio da Aliança foi caracterizada por uma prudência expectante.

         À medida que o nosso processo revolucionário se foi desenrolando com os seus excessos e derivas não democráticas, entre um terceiro-mundismo e um resvalamento para a esfera de influência da União Soviética, com a participação de ministros comunistas no Governo, cresceu naturalmente a preocupação dos nossos aliados.

         Não vou aqui descrever a evolução da situação em Portugal com as suas inúmeras peripécias, sucessivos governos, volte-faces, golpes e contragolpes, agitação e alvoroço permanente, manifestações, assaltos, incêndios, barricadas, prisões e saneamentos selvagens.

         Se era difícil para nós portugueses, observando de Bruxelas a situação, compreendermos e avaliarmos o que se passava em Portugal e fazermos previsões sobre o nosso futuro, imagine-se a perplexidade e o alarme dos nossos parceiros da Aliança, vivendo na tranquilidade sob regimes estáveis e democráticos.

         Quantas vezes os militares portugueses em serviço na NATO me diziam: “agora é que vai rebentar a guerra civil, não há outra saída”, para no dia seguinte me dizerem: “ainda não foi desta”. Continuava contudo a confusão, com clivagens e fações a digladiarem-se numa luta desenfreada pelo poder.

         Foi um parto difícil até que Portugal pudesse renascer de novo.

         Não vou aqui também descrever as atitudes individuais dos nossos aliados.

         Houve, todos nós sabemos, quem chegasse a dizer que Portugal estava perdido para o Ocidente, que não havia nada a fazer, que nos tornaríamos numa Cuba da Europa.

         Houve quem visse nisso alguma vantagem pelo efeito de vacina que evitaria novos casos. Seria uma lição dura para os portugueses, mas útil para outros países.

         Não foi esta todavia a posição geralmente assumida pelos nossos aliados, que se manifestaram abertos e prontos para nos ajudarem a ultrapassar o momento difícil que atravessávamos.

         Fui testemunha de conversas em que tal nos foi afirmado a alto nível político, com sinceridade.

         Mas a Organização do Tratado do Atlântico Norte não existia para fazer face ou intervir em situações de ordem interna, era sim uma aliança coletiva político-militar de natureza defensiva cujo objetivo era garantir a segurança dos seus membros perante uma ameaça externa, a da União Soviética e dos seus próceres.

         O problema no entanto que se punha de imediato era o da “quebra de segurança” (security breakdown) resultante da participação de ministros comunistas no Governo português e da situação de extrema confusão nos ministérios.

         Havia assim um elevado risco de quebra das regras de segurança quanto à confidencialidade de matérias sensíveis tratadas pela Aliança como as matérias nucleares ou os planos de forças.

         Dadas as circunstâncias, o Secretário-Geral da Organização, o holandês Joseph Luns, que conhecia bem Portugal onde tinha servido como diplomata e que sentia uma verdadeira simpatia pelo nosso país, reuniu os embaixadores, com exclusão do português, que entretanto já tinha sido mudado depois do 25 de Abril e que era então o Embaixador Freitas Cruz.

         Era esta uma situação inédita, uma vez que na NATO prevalecia a regra do consenso, ou seja, da unanimidade, em que todos os membros da Aliança têm o direito de participar.

         Entendeu-se, na linha proposta por Luns, que o melhor seria adotar uma atitude pragmática que de uma forma casuística e informal evitasse que matérias classificadas e consideradas sensíveis chegassem a Lisboa.

         Procurar-se-ia desta forma evitar que fossem tomadas decisões formais que pudessem criar uma situação irreversível ou extremar as posições recíprocas.

         Criou-se assim uma situação delicada, difícil de gerir de parte a parte.

         No entanto o interesse era mútuo.

         Nem a organização desejava uma rutura prematura com Portugal, nem o nosso país, a começar pelos elementos mais revolucionários, tinham interesse numa rutura com a NATO, que certamente levaria ao nosso isolamento e a um corte das ajudas quer bilaterais, quer das instâncias financeiras internacionais.

         Por isso “aceitámos” esta “quarentena” em que éramos colocados.

         Não chegámos a assumir o nosso lugar no Grupo de Planeamento Nuclear, deixámos “voluntariamente” de nos fazer representar nas reuniões mais sensíveis e de receber informações com uma alta classificação de segurança, comprometemo-nos a não transmitir para Lisboa informação secreta ou a relatar o conteúdo de certas reuniões, etc.

         Houve por outro lado um cuidado especial de não colocarmos na NATO elementos que pudessem suscitar reservas ou desconfiança por parte da Organização quanto à segurança das informações. Todos tinham, como sabem, que ser escrutinados pela Autoridade Nacional de Segurança.

         Tudo isto exigiu disciplina, espírito de compromisso e bom senso, a fim de que o interesse nacional pudesse ser salvaguardado numa perspetiva de longo prazo.

         Esta mesma vontade de não provocar uma rutura com a Aliança verificou-se nas reuniões a nível político em que participámos.

         Foi assim com o PM Adelino da Palma Carlos que se deslocou a Bruxelas para participar numa Cimeira da NATO em Junho de 1974, e com o General Costa Gomes que ali participou na qualidade de Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas numa reunião do Comité dos Planos de Defesa também em 1974.

         Em ambas as ocasiões foi reafirmada a nossa fidelidade à Aliança Atlântica e aos compromissos por nós assumidos no quadro da mesma.

         Mas estas declarações pouca correspondência tinham com a realidade do PREC.

         Em 29 e 30 de Maio de 1975 houve nova Cimeira da NATO em que participa Vasco Gonçalves.

         Em Portugal continuava a onda de agitação com as nacionalizações e ocupações de terras na sequência do 11 de Março. Estigmatizavam-se as eleições, defendia-se a dissolução da Assembleia Constituinte, acusava-se a social-democracia de apoiar, juntamente com o fascismo, as forças rea- cionárias e antipatrióticas. Apelava-se à mobilização dos trabalhadores e à radicalização dos militares.

         Era necessário, afirmava-se, garantir a permanência das conquistas históricas do Povo português, não as derrotando por via eleitoral, devendo-se evitar a contradição entre o processo revolucionário e o processo eleitoralista.

         Vasco Gonçalves, faz-se acompanhar por Rosa Coutinho. Melo Antunes, que era o MNE, não o acompanha.

         Nas declarações que faz no âmbito da Cimeira, Vasco Gonçalves procura sossegar os nossos aliados. Somos membros da Aliança Atlântica, sublinha, e desejamos continuar a ser. E reitera a nossa fidelidade aos compromissos decorrentes do Tratado do Atlântico Norte.

         Mas defende uma política externa independente, aberta às relações com todos os países e o desmantelamento dos blocos.

         Apela finalmente aos nossos aliados por mais compreensão e menos apreensão.

         Quase todos os nossos parceiros pedem encontros à margem da Cimeira com o PM português.

         Lembro-me que o PM inglês, Harold Wilson, trabalhista e o chanceler alemão Helmut Schmidt, social-democrata, são particularmente duros com Vasco Gonçalves.

         Perante as afirmações deste, que os nossos aliados nada têm a temer, que todos os compromissos internacionais serão respeitados e que não está iminente qualquer golpe comunista em Portugal, respondem que o que lhes interessa não são palavras, mas atos. E, sublinham, terras de cidadãos ingleses e alemães tinham sido ocupadas e empresas ligadas aos seus países nacionalizadas. Quanto às eleições o que viam era uma enorme ambiguidade quanto ao futuro.

         Ao mesmo tempo, Vasco Gonçalves dava uma conferência de imprensa na sede da NATO que suscitou um enorme interesse por parte da imprensa internacional representada ao mais alto nível.

         Foi talvez a conferência de imprensa mais longa da história da NATO. Às perguntas curtas, precisas e factuais sobre eleições, políticas seguidas e situações concretas, Vasco Gonçalves respondia sempre com longuíssimos relambórios com uma interpretação marxista da história de Portugal nomeadamente sobre o período de ditadura e fascismo a que o país tinha estado sujeito.

         No final da conferência Rosa Coutinho observou: “foi uma verdadeira sessão de dinamização cultural! ”

         Regressado a Portugal, num discurso inflamado que faz em Almada a 18 de Agosto, Vasco Gonçalves vem dissipar quaisquer dúvidas que poderiam ainda existir quanto às suas fidelidades e propósitos.

         Na NATO continuámos a seguir à distância a evolução dos acontecimentos, cada vez mais tumultuosos e acalorados.

         Até que se dá o 25 de Novembro e com ele uma reviravolta da situação, com a vitória da democracia.

         Abre-se assim um novo período. Os nossos aliados tranquilizam-se e rejubilam.

         Começa um programa de reequipamento das forças armadas portuguesas com a ajuda da NATO, em que tive a honra de estar envolvido nos anos que se seguiram.

         A vida política estabiliza.

         Em Abril de 1976 a Constituição é aprovada. Têm lugar eleições legislativas. Eanes é eleito presidente

Passámos a ser um país normal, uma democracia. Pluralista. Que é a única verdadeira democracia.

         Aqui estamos 40 anos passados com alguns problemas próprios das sociedades democráticas. Mas, livres e senhores do nosso destino.

         Permitam-me que a terminar evoque aqui a figura do General Ramalho Eanes, homem providencial e grande herói nacional do 25 de Novembro, a quem tanto os portugueses devem.

E nada melhor do que citar as suas próprias palavras:

         “Em Abril de 1974 as Forças Armadas saíram à rua em defesa dos ideais da liberdade e da democracia. Em Novembro de 1975, intervieram de novo para assegurar que a liberdade reconquistada não seria traída”.

…..

         “O 25 de Novembro representa, fundamentalmente, a vitória de um modelo de sociedade sobre a perversão totalitária que procurou destruir as Forças Armadas, para poder impor ao povo, indefeso, um modelo de sociedade que ele não escolhera.

         A intervenção das Forças Armadas na defesa desse projeto democrático restituiu ao povo a sua soberania real e marcou o reencontro do seu lugar ao serviço do povo em que têm as raízes e a sua razão de ser”.