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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO



Discurso de Sua Excelência o Representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Embaixador Pedro Catarino, por ocasião do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesa



10 de Junho de 2015



    Caros e caras compatriotas

    Açorianos, residentes na Região e espalhados pelos quatro cantos do mundo.

    Neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a todos saúdo com amizade e respeito.

    Os açorianos são gente de carácter.

   Orgulhosos das suas maravilhosas ilhas e das suas belezas, da sua história, do mar que os rodeia, das brumas omnipresentes, do tempo agreste dos invernos que os fustiga e fortalece e do tempo doce e ameno dos verões que os faz poetas e músicos.

    Orgulhosos das tradições que os unem e da sua luta por uma vida melhor.

   Esse bem justificado orgulho é reforçado pelo espírito patriótico, pelo amor à Pátria, à Nação Portuguesa, à sua longa história de 9 séculos e aos seus momentos gloriosos, à sua língua e cultura que nos congrega e dá corpo à nossa identidade coletiva.

   É esse lastro histórico e cultural que constitui a base essencial da nossa auto-estima e da confiança em nós próprios e no futuro, que dá rumo à vida numa comunhão de valores, interesses e aspirações.

   É o sentimento de pertença à Pátria comum que permite dar continuidade à permanente construção da Nação, recebendo a herança dos nossos antepassados e transmitindo-a às gerações futuras com o nosso contributo e o nosso amor.

  Essa permanente construção da Nação, tornando a nossa sociedade cada vez mais próspera e feliz, só pode realizar-se com base na solidariedade, na confiança e na cooperação, no quadro de um pensamento positivo virado para o futuro e assente no apreço e respeito mútuos, na equidade e reciprocidade.

  Como Representante da República, do todo nacional, no qual se inclui a Região, só posso desejar e fazer votos para que o progresso do todo e das partes, da Nação e da Região, se faça de forma harmoniosa e natural, sem antinomias ou barreiras, nem desconfianças ou suspeitas, que estou certo não corresponderiam aos sentimentos das populações.

   Distintos convidados

 Aproveito a ocasião para dirigir uma saudação muito especial à Sra. Presidente da Assembleia Legislativa, representante máxima da Região, cuja presença muito me honra e dignifica as instituições nacionais e a todos os deputados.

   Saúdo igualmente o Sr. Presidente e membros do Governo Regional, bem como todas as autoridades autárquicas.

   Muito me honra também a presença do antigo Presidente do Governo Regional Carlos César e esposa.

  Cumprimento cordialmente os magistrados, judiciais e do Ministério Público, os militares das Forças Armadas e agentes das forças de segurança e todos os funcionários do Estado que desempenham funções na Região.

  Todos dão um importante contributo para a sustentabilidade da autonomia regional e para o bem-estar dos açorianos e merecem que tal seja reconhecido.

   Prezados açorianos

  Para o ano comemoram-se os 40 anos da Constituição de 1976, que representou, para os Açores e para a Madeira, uma conquista de inestimável valor histórico. Ela gizou um sistema autonómico em que açorianos e madeirenses são governados, no quadro de um Estado unitário, por órgãos de governo próprios – a Assembleia Legislativa e o Governo Regional –, competindo ao Ministro da República (hoje Representante da República) e aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade (hoje Tribunal Constitucional) exercer nesse contexto uma função moderadora.

   Com a Constituição, são extintos os Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes (Funchal, Angra do Heroísmo, Ponta Delgada e Horta) e a Madeira e os Açores ganham constitucionalmente a designação de Regiões Autónomas. Logo no texto original, a Constituição dotou-as de:

–   Um Estatuto Político-Administrativo que, sendo uma lei da Assembleia da República, é simultaneamente uma lei de valor reforçado e uma lei que tem um procedimento de elaboração específico, em que às Regiões cabe um poder reservado de iniciativa e direitos especiais de audição;

–       e um acervo muito significativo de poderes que se estende pelas diferentes funções estaduais:

– Função política;

– Função legislativa;

– Função administrativa;

– Função financeira.

  Em cada um destes domínios foram definidos critérios, umas vezes mais precisos, outras vezes mais indeterminados, para fazer a distinção entre as competências exclusivas dos órgãos de soberania, as competências exclusivas dos órgãos regionais, e as competências, que podiam ser em diferente medida, partilhadas entre a República e as Regiões, quer no momento da decisão política, quer no momento da sua execução.

     As Regiões haveriam de ter a seu cargo, fundamentalmente, as funções próprias do Estado social e de regulação e fomento da economia:

– Educação e saúde, embora não no plano legislativo;

– Segurança social, sem prejuízo da unidade do sistema;

– Emprego;

– Habitação, transportes e obras públicas;

– Ambiente e o ordenamento do território, mais tarde;

– Agricultura e pescas;

– Comércio, indústria e serviços.

    Por sua vez, com a República haviam de ficar, necessariamente, as típicas funções de soberania:

– Negócios estrangeiros;

– Defesa nacional;

– Segurança interna;

– Administração da justiça;

– Emissão de moeda;

– Cobrança de impostos.

    O modelo então definido juridicamente, muito inspirado naquele que ao tempo constava da Constituição italiana, e seria depois adotado em Espanha, afigurava-se suficientemente flexível para permitir que os equilíbrios Estado/Regiões ou Unidade/Autonomias se estabelecessem em diferentes pontos.

   A história viria a confirmar essa possibilidade. Assim como viria a revelar um significativo alargamento dos poderes regionais, sobretudo através das sucessivas revisões constitucionais, mas também nos momentos de elaboração e nas posteriores revisões dos Estatutos Político-Administrativos, e aquando da elaboração e alteração da Lei das Finanças Regionais. É difícil não considerar como muito positivo e adequado o quadro constitucional e legal em que se move a autonomia político-administrativa das regiões insulares e, em particular, dos Açores.

   Não por acaso, isso mesmo foi dito aqui nos Açores pelos dois últimos Chefes de Estado. Em 2005, logo após a conclusão da revisão constitucional de 2004, o então Presidente Jorge Sampaio disse em Ponta Delgada, e cito:

             “Não obstante a ausência de um sentido evolutivo claro e acessível no estatuto das autonomias regionais, pode dizer-se que a última revisão constitucional instituiu um sistema que, não sendo […] perfeito, dificilmente pode ser alterado, pelo menos de forma substancial, sem provocar rupturas incompatíveis com a natureza de um Estado unitário com regiões autónomas. No domínio da racionalização do sistema político regional, das competências legislativas e da representação da República a última revisão constitucional foi até onde se pode legitimamente ir sem pôr em causa a subsistência do Estado unitário.

            No entanto, perante o novo quadro são sempre possíveis duas atitudes: ou tomar a última revisão constitucional como mero apoio instrumental de um interminável processo de sucessivas novas reivindicações e propostas de alteração constitucional ou, ao invés, considerá-la como esforço derradeiro que sela de forma globalmente positiva um longo processo de evolução e maturação institucionais.

            A segunda via, a que nos últimos anos dediquei muito do meu esforço de concertação […] reconhece que, ao fim de […] anos de evolução, a pretensa querela constitucional sobre as Regiões Autónomas pode ser dada como encerrada e o futuro […] ser encarado de uma forma qualitativamente diferente”. Fim de citação.

   Por sua vez, em 2007, estando já em preparação a terceira revisão do Estatuto açoriano, o Presidente Cavaco Silva disse, na Horta, perante a Assembleia Legislativa, e cito:

            “Não compete, naturalmente, ao Presidente da República desenhar a arquitectura constitucional do sistema autonómico. O leque de poderes atribuído às Regiões Autónomas, seja na versão originária seja nas suas subsequentes revisões, é matéria da competência exclusiva da Assembleia da República. Nesta sede, o que se oferece dizer, numa apreciação global, é que os órgãos de governo próprio dispõem hoje, sobretudo em virtude das últimas revisões da Constituição, de um conjunto vasto de atribuições, competências e poderes.

            E pode ainda dizer-se que os grandes desafios que se colocam ao futuro das autonomias passam, hoje, mais pelas políticas adoptadas do que pela consagração formal de novas competências e de novos poderes.

              Na verdade, independentemente de aperfeiçoamentos que venham a ser introduzidos no futuro, o tempo é de concretizar as atribuições que a Constituição confere às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, de desenvolver no terreno os poderes que os órgãos de governo próprio possuem e de aprofundar a solidariedade entre as diferentes partes do todo nacional, num espírito de diálogo frutuoso entre os órgãos regionais e as autoridades da República”. Fim de citação. 

   Não podia estar mais de acordo, de que não existe hoje nenhum bloqueio constitucional ou estatutário que impeça os órgãos de governo próprio de promover adequadamente, no dia-a-dia, o desenvolvimento económico-social da Região, satisfazendo as necessidades coletivas e melhorando a qualidade de vida das pessoas que nela vivem. Sem prejuízo da necessidade de ler continuamente os sinais dos tempos, verifico que, no vasto acervo de poderes regionais, há muita coisa a fazer, um oceano de oportunidades por explorar e múltiplos caminhos novos a percorrer.

   Temos um quadro jurídico e institucional que se vai aperfeiçoando e consolidando através do seu efetivo exercício.    Ele contém os mecanismos apropriados para assegurar, por um lado, que sejam respeitados em cada momento os limites constitucionais estatuídos e, por outro, para que, com a prudência, mas também, com a ambição desejável, se aprofunde o processo de autonomia regional.

   Mesmo no que respeita ao estatuto do Representante da República - digo-o com total desprendimento pessoal -, estou firmemente convicto de que a existência desta figura constitucional representa uma solução mais descentralizadora e autonomista do que a sua própria extinção, uma vez que esta acarretaria inevitavelmente - no quadro de um Estado de Direito democrático - a transferência para Lisboa dos respetivos poderes, mormente de controlo da constitucionalidade e da legalidade da normação regional. Em vez de exercidas localmente, numa relação de proximidade com a realidade insular, passariam a ser exercidas à distância, nos gabinetes dos órgãos de soberania, tendo como único respaldo os critérios jurídicos fornecidos pelas respetivas assessorias. O próprio poder de veto político - cuja legitimidade democrática, sublinho, radica no processo de nomeação dos Representantes da República e que culmina com um ato de nomeação do Chefe de Estado - sempre foi, historicamente, usado com extrema parcimónia. E a demonstração de que, no quadro autonómico, ele pode ser útil e usado de forma construtiva está no facto de a Assembleia Legislativa da Região ter vindo a acolher, em regra, as observações feitas pelo Representante da República na fundamentação dos escassos vetos que proferiu.

   Na arquitetura do sistema de governo das regiões autónomas, aliás, é apenas perante a Assembleia Legislativa que o Governo Regional responde politicamente - não perante o Representante da República. É ela que tem o direito e o indeclinável dever de fiscalizar a atividade governativa e é dela que, em última análise, depende a própria manutenção do Governo Regional em funções. Sendo eleita diretamente pelo povo, ela constitui o espelho mais fiel da vontade dos eleitores e como tal deve ser valorizada, por governantes e governados.

   Importante é que, sem imobilismos e com espírito de abertura quanto ao futuro, não excluindo a possibilidade de um aprofundamento do processo de autonomia regional, os órgãos de governo próprio da Região têm hoje a capacidade política e técnica para, com perseverança e criatividade, enfrentar os desafios que o nosso mundo, extremamente competitivo e em constante mudança, nos coloca e, ao mesmo tempo, para aproveitar as oportunidades de sucesso que apesar de tudo ele também nos trás.

  Um mundo cheio de incertezas e de paradoxos, em que o avassalador movimento da globalização é constantemente desafiado pela tendência inversa, de valorização do que é local, identitário e genuíno. Para usar um conhecido neologismo da área da sociologia, um mundo onde impera a ideia de “glocalização”: por um lado, globalização económica, cultura de massas, surgimento de modelos e fóruns políticos transnacionais, como a UE e universais; por outro lado, regresso às origens, à natureza, às tradições e manifestações culturais específicas.

   Pela sua riqueza cultural, pelas suas tradições, pelo equilíbrio dos seus ecossistemas de peculiar beleza, bem como pelo seu posicionamento geográfico, e até pela sua vasta Diáspora, os Açores têm óbvias condições para encontrar o seu lugar e vencer neste nosso mundo, simultaneamente global e local.

   É aos jovens açorianos, particularmente aos mais qualificados, que cabe antes de mais serem agentes de uma mudança de paradigma do modelo de desenvolvimento económico-social. Com espírito empreendedor, com criatividade e capacidade de inovação tecnológica e científica - mas também com muito trabalho, dedicação, tenacidade e sacrifício -, os jovens serão seguramente capazes de “pensar fora da caixa”, criando novos negócios, descobrindo nichos de mercado, pondo de pé projetos inovadores na área da economia do mar, da economia ambiental ou da economia digital. Projetos açorianos, pelos seus autores e pela sua origem geográfica, mas voltados para o mercado global, para uma clientela exigente e que constantemente percorre o mundo todo, uma vezes de avião, outras vezes apenas sentada diante do ecrã de um computador. Existem milhões de pessoas em circulação permanente, em lazer ou em trabalho, movidos pelas mais variadas razões, desde a prática desportiva ou aos sentimentos religiosos, passando pela arte e pela investigação científica. São estas pessoas, em busca de coisas novas e apelativas que importa trazer para os Açores.

   Relativamente às primeiras décadas da autonomia, uma das grandes mais-valias que a era digital trás para os Açores é certamente o encurtamento das distâncias físicas e a quebra do tradicional isolamento em que os açorianos viviam. Uma parte muito significativa da atividade económica desenvolve-se na Internet, com a possibilidade de, quando se tem um projeto interessante e devidamente montado, chegar a todo o mundo, de forma rápida e fácil, sem depender de grandes infraestruturas materiais ou de recursos monetários muito avultados. É fundamental, por isso, formar os jovens numa cultura de empreendedorismo e de ponderação e assunção de riscos. E apoiá-los, com incubadoras de empresas e startups - de que é um magnífico exemplo o projeto Mare Startup, a que se encontra ligada a Universidade dos Açores.

   Distintos convidados

  É tradição que neste dia sejam impostos pelo Representante da República em nome do Senhor Presidente da República as insígnias das condecorações concedidas a cidadãos e instituições açorianas que se notabilizaram pelas suas atividades relevantes,públicas ou privadas, honrando os Açores e Portugal.

   Este ano serão agraciados o Sr. Dr. João de Melo e o Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo. Ao primeiro e ao Sr. Reitor do Seminário exprimo desde já as minhas sinceras felicitações.

   O Dr. João de Melo nascido na ilha de São Miguel tem uma obra notável como escritor, traduzida em mais de uma dezena de línguas. Os seus romances dos quais me permito destacar “Gente Feliz com Lágrimas” retratam as gentes e a vida nos Açores com um espírito agudo de observação e profundidade. Ajudam-nos a compreender e a sentir a alma dos açorianos e as condicionantes que influenciam os seus afetos e atavismos. A qualidade da prosa e domínio da língua portuguesa são verdadeiramente notáveis. Que honra para os Açores e para Portugal ter um escritor do seu nível!

   O Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo já completou cento e cinquenta anos. Durante várias gerações desempenhou um papel importantíssimo não só como alfobre de vocações sacerdotais, mas também como centro de irradiação cultural donde saíram açorianos ilustres não só no campo religioso, mas também no campo das letras e da política.

   O Seminário assegura a continuidade da ação da Igreja Católica na Região, providenciando assistência espiritual, tão importante nos nossos dias, mas também contribuindo para as obras de assistência e para a coesão social.

   Ao seu Reitor, docentes e a todos os seminaristas quero manifestar o nosso reconhecimento e os melhores votos para o futuro.

   Aproveito a ocasião para dirigir uma saudação respeitosa e amiga a Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. António, Bispo de Angra, que aqui não está por razões de Saúde. Os nossos pensamentos estão com ele. Faço votos para as suas rápidas e completas melhoras e desejo-lhe as maiores felicidades futuras.

   Finalmente os meus agradecimentos ao Sr. Antero Ávila, ao Quinteto da Classe de Sopros da Escola Tomás de Borba e à Sociedade Filarmónica União Praiense pela sua participação nas cerimónias de hoje.

  O meu obrigado também ao Sr. Engenheiro Jorge Belerique e aos Serviços Florestais da Terceira e à Escola Profissional da Praia da Vitória e aos membros do meu gabinete pela sua prestimosa colaboração e ajuda. Bem hajam a todos.

   Distintos convidados

  Apresento a todos vós também os melhores votos de felicidades extensivos às vossas famílias, no seio de uns Açores cada vez mais prósperos.